AS JACOBITAS
Humberto de Campos
Chegada há pouco do Oriente, onde visitara, em companhia do esposo, alguns países exóticos, D. Margaridinha descrevia aos seus vizinhos de mesa, no banquete oferecido ao casal pela excelentíssima viúva Santos Soutelo, algumas curiosidades que mais lhe haviam ferido a atenção.
— A coisa mais interessante que eu assisti, — dizia, sorridente, enxugando com o guardanapo de linho os seus polpudos lábios cor de cereja, — foi um costume dos jacobitas, seita religiosa cujo mosteiro visitamos no Malabar.
As damas vizinhas descansaram o talher para ouvir melhor, e D. Margaridinha, irrequieta e risonha, contou:
— Quando um jacobita se casa, o seu primeiro cuidado consiste em ir ao templo no mosteiro, e pedir ao seu Deus que lhe dê uma descendência numerosa e sadia, para maior esplendor da religião. Feito isso, toma diversos pedaços de papel, escreve em cada um deles um nome de homem ou de mulher, mete-os em um canudo de bambu que os sacerdotes lhe oferecem, e, colocado a certa distância do ídolo, sopra o canudo, com toda força. Impelidos assim, os papeluchos partem rodopiando e quantos caiam sobre o altar, tantos serão os filhos que o casal deve ter!
— Esplêndido! — exclamaram as senhoras, rindo. — Esplêndido!
À observação, porém, de uma que lhe ficava mais próximo, a linda viajante objetou, jovial:
— Eu? Experimentei, sim!
E sem olhar para o marido, que a fixava, severo, continuou:
— Alfredo tem, como não é segredo, um desejo enorme de ter um filhinho. E é natural, coitado! Enquanto estamos no vigor da idade, os filhos não nos fazem falta, porque viajamos, passeamos, nos divertimos. Mas, depois, na velhice, é que se sente a tristeza, o abandono, a solidão... Pensando nisso, nós fomos, um dia, no Malabar, ao templo dos jacobitas.
— A senhora?
— Então? Era o último recurso, filha! Chegando lá, Alfredo escreveu uma porção de nomes, bem uns cinquenta, em outros tantos pedaços de papel, meteu-os no bambu e soprou com toda a força.
— E quantos caíram no altar? — indagaram as senhoras, interessadas.
E madame:
— Nenhum, meninas, nenhum!
E explicou:
— Ele, na sua ansiedade, havia posto papel demais no bambu, e...
— E...
— Entupiu o canudo!...
E soltou uma das suas gargalhadas sonoras, altas, musicais, enquanto o marido, vermelho, se engasgava, a um canto, com a sobremesa, à semelhança dos canudos do Malabar...