AS CAMISAS
Humberto de Campos
Há muitos dias que o Dr. Abelardo insistia com a mulher, a encantadora D. Sílvia, para que usasse umas camisas de seda cor de rosa, que, na sua opinião, lhe deviam assentar admiravelmente sobre a pele clara, macia, cetinosa. Apaixonada pelo marido, que sabia disputado pela mais íntima das suas amigas, a loura Luizita Corrêa, D. Sílvia escancarou, nesse dia, o grande móvel do quarto de vestir, em que guardava as suas roupas de interior, e, tirando as dezenas de camisas que ali estavam arrumadas com ordem, ia mostrando-as, uma a uma, ao esposo:
— É assim?
— Não.
— É dessas, de seda, enfiadas de fita?
— Não.
— É assim, apenas com uma fita sobre o ombro?
— Também não!
E como a esposa lhe não mostrasse nenhuma camisa como a que ele desejava acariciar sobre o seu corpo soberbo, convidou-a ele próprio, beijando-a nos olhos.
— Amanhã, na cidade, veremos onde tem. Quero comprar-te uma dúzia. Ouviste, meu amor?
— Camisas de dia, de seda, para senhora; nº 3.
— Que cor? — indagou, solicita, a moça que o atendeu.
— Cor de rosa.
A empregada subiu ao primeiro andar, trouxe algumas caixas de camisas de seda, mas nenhuma correspondia ao desejo elegante do freguês, que era, de fato, exigente.
— Não são destas? — consultou.
— Não, senhora. São mais finas, mais transparentes, com uma renda de seda até quase à cintura.
— Ah! Já sei! — exclamou a mocinha, sorrindo.
E, levantando os olhos para o andar superior chamou por uma companheira.
— Julieta!
Apareceu, em cima, no balaustre, a cabeça oxigenada de outra caixeira da casa.
— Manda-me dali, por favor — pediu — a caixa de camisas nº 8.645.
E, particularizando, alto:
— Olha! daquelas que D. Luizita Corrêa comprou aqui... Sabes?
Quando as camisas desceram das nuvens, D. Sílvia tinha sumido.