Zuleika Angel Jones nasceu em Curvelo, MG, em 5/6/1921. Estilista e pioneira na história da moda brasileira. Ainda criança foi morar em Belo Horizonte, e começou a costurar e criar modelos de roupas para as primas e amigas. Na juventude foi morar em Salvador, BA, onde as cores e a cultura contribuíram para a definição do estilo de suas criações, onde prevalecem as cores e motivos tropicais.
Em 1947 fixou residência no Rio de Janeiro e, 10 anos depois, abriu sua pequena loja em Ipanema. Com um estilo próprio e linguagem pessoal, em suas peças reinava uma misturas de tecidos, cores e estampas de animais ou temas regionalistas e folclóricos. Era uma inovadora, mas não tinha a pretensão de se tornar sofisticada costurando só para a elite carioca; seu ideal era vestir a mulher comum. Costumava dizer: “Eu sou a moda brasileira”. Por aqui ninguém duvidou disso e no exterior seu estilo agradou, por exemplo, Kim Novak, Joan Crawford e Lisa Minelli, que tornaram-se suas clientes. Seu estilo pessoal agradou também o estadunidense Norman Angel Jones, com que se casou em 1943, e teve três filhos: Stuart (1945), Ana Cristina (1948) e Hildegard (1949)
O casal separou-se em 1960 e sua carreira como estilista decolou na década seguinte atingindo o mercado internacional. Além de costurar, desenhava e pintava suas roupas. O anjo, de seu sobrenome, passou a ser uma das marcas registradas de suas criações. Foi ela quem trouxe para o Brasil e popularizou no universo da moda nacional o termo “fashion designer”. Em seu primeiro desfile em Nova Iorque, em 1970, lançou a coleção internacional “Dateline Collection” na sofisticada loja “Bergdorf Goodman”, ao som de músicas folclóricas brasileiras. Seus modelos fizeram sucesso também em Londres e participou de desfiles com os costureiros Valentine e Yves Saint Laurent. Pouco depois suas roupas passaram a ser vendidas em lojas de renome internacional, como Saks, Lord & Taylor, Henry Bendell e Neiman Marcus.
Nos “anos de chumbo” da ditadura brasileira, seu filho, jovem estudante de economia, passou a integrar o MR-8, um grupo guerrilheiro que combatia a ditadura militar. Em 14/4/1971 foi preso, torturado e assassinado na madrugada do mesmo dia no Centro de Informações da Aeronáutica. O governo continuou espalhando cartazes como “Procurado” enquanto a imprensa e as autoridades davam-no como “desaparecido”. Daí em diante, Zuzu passou a procurá-lo e a cobrar o Governo pela recuperação do corpo de seu filho. A cobrança chegou a envolver os EUA, país de seu ex-marido e pai de Stuart. Utilizando-se dos recursos de estilista, criou uma coleção estampada com manchas vermelhas, pássaros engaiolados e motivos bélicos. O anjo, ferido e amordaçado em suas estampas, tornou-se também o símbolo do filho.
Em setembro do mesmo ano, realizou um desfile-protesto no consulado do Brasil em Nova York. Os jornais internacionais deram a notícia em manchetes: o canadense The Montreal Star estampou: “Designer de moda pede pelo filho desaparecido”; o Chicago Tribune detalhou: “A mensagem política de Zuzu está nas suas roupas”. Realmente, ela utilizou as “armas” que dispunha na luta para encontrar o corpo do filho. Em maio de 1973 procurou o general Ernesto Geisel pedindo ajuda na localização do corpo do filho. Apelou a diversos políticos e celebridades para que ajudassem a encontrar o corpo. Durante a visita do secretário de estado dos EUA, Henry Kissinger, ao Brasil em 1976, chegou a furar o bloqueio da segurança para entregar-lhe um dossiê com os fatos sobre a morte do filho, também portador da nacionalidade americana.
Um ano antes já havia feito a mesma coisa, entregando um dossiê à esposa do general Mark Clark, comandante das tropas aliadas no front italiano durante a II Guerra Mundial, que estava em visita ao Brasil. O caso também chegou ao Senado dos EUA através de um discurso do senador Edward Kennedy, a quem Zuzu fez chegar a denúncia da morte do filho. Seu desespero e destemor beirava a temeridade. Certa vez tomou da mão de uma aeromoça o microfone de bordo para anunciar aos passageiros “que desceriam no Aeroporto Internacional do Galeão, no Rio de Janeiro, Brasil, país onde se torturavam e matavam jovens estudantes”. A luta para recuperar o corpo do filho chegou a um ponto onde sua segurança pessoal passou a ser ameaçada. Quando diziam que ela era uma pessoa corajosa, ela retrucava: “Eu não tenho coragem, coragem tinha meu filho. Eu tenho legitimidade.”
Em princípios de abril de 1976, ela deixou na casa de Chico Buarque de Holanda, um bilhete que deveria ser publicado caso algo lhe acontecesse: “Se eu aparecer morta, por acidente ou outro meio, terá sido obra dos assassinos do meu amado filho”. Em 14/4/1976, no mesmo dia em que a morte do filho completou 5 anos, ela dirigia um Karman Guia, que derrapou na saída do Túnel Dois Irmãos, saiu da pista, chocou-se contra a mureta de proteção, caiu na estrada abaixo e morreu instantaneamente. O “acidente” só foi elucidado em 1998, quando a Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos julgou o caso e reconheceu o regime militar como responsável pela morte da estilista. Segundo depoimentos, ela foi jogada para fora da pista por um carro pilotado por agentes da repressão. Em 2013, a WikiLeaks vazou um documento secreto do governo norte-americano datado de 10/5/1976, comentando a morte de Zuzu e mostrando preocupação com o fato e sua repercussão no Brasil e no exterior. O documento ressaltava que a hipótese de ter havido “jogo sujo” por parte das forças de segurança não é estranha nem pode ser descartada.
Zuzu foi homenageada em livros, música, filme e com seu nome no Túnel, onde morreu. Chico Buarque compôs a música Angélica, em 1977, falando de seu martírio; em 1988 José Louzeiro publicou sua biografia romanceada Em carne viva; em 1993, sua filha, a jornalista Hildegard Angel, criou o Instituto Zuzu Angel de Moda, no Rio de Janeiro; em 2006, o cineasta Sérgio Rezende dirigiu Zuzu Angel, filme retratando sua vida e a busca do corpo de seu filho. Ao completar 50 anos da morte de Stuart Angel, em 1/4/2014, o espaço Itaú Cultural, de São Paulo, apresentou a mostra “Ocupação Zuzu”, onde foi apresentado um filme feito pela rede norte-americana NBC. Trata-se do filme, encontrado anos depois, sobre aquele desfile realizado em 1971, no Consulado do Brasil, em Nova Iorque, que deu inicio a peregrinação de Zuzu Angel. Para fechar as homenagens com chave de ouro, temos seu nome inscrito em letras de aço no “Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria”, em 12/4/2017.