AS BRASILEIRAS: Ana Aurora
José Domingos Brito
Ana Aurora do Amaral Lisboa nasceu em 24/9/1860 em Rio Pardo, RS. Professora, escritora, poeta, dramaturga, jornalista, e ativista política. Foi precursora do ensino supletivo para adultos e pioneira do movimento feminista com destacada atuação política em fins do século XIX e princípios do século XX. Junto com a irmã Zamira, fundou o Colégio Amaral Lisboa.
14ª filha de Maria Carlota do Amaral e Joaquim Pedro da Silva Lisboa, comandante da Guarda Nacional de Rio Pardo. Diplomou-se na Escola Normal de Porto Alegre, em 1881, com distinção em todas as matérias e foi contratada como professora do Estado. Sua família tinha posicionamento contrário ao Partido Republicano. Eram federalistas e o fato causou-lhe perseguições políticas, que a obrigou a exonerar-se do cargo público e entrar no Partido Federalista, vindo a participar da Guerra Federalista no Rio Grande do Sul em 1893.
Na época sua irmã publicou na imprensa um poema elogiando o federalista Gumercindo Saraiva. Um republicano, major do Exército -Antero de Fontoura-, não gostou do elogio feito ao seu opositor e achando que foi ela e não a irmã a autora do poema, escreveu-lhe uma carta recriminando a atitude nos seguintes termos: “Essa não é a missão da mulher, deixar o lar doméstico para vir intrometer-se na política. Com tanto cultivo da inteligência, não pensais que a mulher, principalmente a solteira e sem pai, deve arrojar-se a vir provocar homem...” Ela se aborreceu com o insulto e decidiu resolver a parada nos moldes gaúchos da época.
Adquiriu uma arma, procurou o major e exigiu retratamento apontando-lhe a arma. Deve ter se desculpado, pois o desfecho não resultou em tiro, mas lhe rendeu um processo-crime. Foi julgada e absolvida por estar no pleno direito de “defesa da honra”. Este pode ser mais um pioneirismo alcançado por Ana Aurora, por se beneficiar de um direito até então só utilizado pelos homens. O episódio ficou marcado em sua biografia e alavancou sua carreira como colunista política e “membra honorária” dos federalistas. Pouco depois, junto com as irmãs Zamira e Carlota, fundou o Colégio Amaral Lisboa, dirigindo-o até 1924. Junto ao trabalho educacional, foi articulista em diversos órgãos da imprensa, onde expunha seus ideais políticos e educacionais. Através destes artigos, alguns deles utilizando-se de pseudônimos, ganhou notoriedade na política local.
Colaborou no jornal A Reforma, do Partido Federalista; no O Canabarro, de Santana do Livramento; Gaspar Martins, de Santa Maria; Correio do Povo, de Porto Alegre e jornais do Rio de Janeiro. Foi também escritora, poeta e dramaturga, tendo o primeiro livro -Minha defesa- publicado em 1895. Em Caxias do Sul, fundou e dirigiu o periódico O Estímulo, mantido de 1916 a 1918, ao mesmo tempo em que se dedicava a Literatura. Seu segundo livro -Traços meus-, uma coletânea de contos, foi publicado em 1924, pela Livraria do Globo.
Manteve intensa vida social com participação destacada na Sociedade Feminina Sempre-Viva e Grêmio Rio-pardense de Letras. Em 1915 criou curso de ensino noturno gratuito para adultos, bem antes do ensino supletivo ser instituído em 1931. Casou-se em 1922 com o Dr. Hermenegildo de Barros Lins e mudaram-se para o Ceará. Após breve estadia no Rio de Janeiro, voltou a morar em Rio Pardo, onde passou a cuidar do Colégio fundado pela família.
Junto com a irmã Zamira, dedicou-se durante 55 anos ao ensino, acolhendo alguns alunos gratuitamente. Em meados da década de 1930, o colégio passou por uns perrengues financeiros, devido em parte ao episódio ocorrido com o major, e as irmãs tiveram que viver numa condição precária em idade avançada. Em 1937 o governo do Estado, em reconhecimento aos serviços prestados na educação, lhes concedeu uma modesta pensão vitalícia, permitindo-lhes a sobrevivência. Seus ex-alunos também reconheceram suas contribuições ao ensino e ergueram uma herma na Praça Barão de Santo Ângelo, no centro da cidade, em 1944, expondo o busto das irmãs. Na inauguração do pedestal sua expressão, aos 84 anos, exprimia uma comoção e agradecimento à homenagem prestada.
Faleceu em 22/4/1951 e deixou alguns livros publicados, além dos já citados: Preitos à Liberdade e A culpa dos pais. Em termos biográficos, encontramos apenas breves verbetes na Wikipedia, que serviram para costurar esta síntese, e o livro Mulheres em cena: as trajetórias de Ana Aurora e Malvina Tavares no limiar do século XX, de Carlos Dias, publicado pela Editora Primas, em 2016. Malvina Tavares foi uma destacada ativista política, contemporânea de Ana Aurora, que se encontra no radar deste Memorial.