RIO – Quando os portugueses chegaram no Brasil, em 1500, deram de cara com uma floresta luxuriante, densa e diversa, com árvores que facilmente passavam dos 40 metros de altura. Era a Mata Atlântica, um dos maiores biomas brasileiros, que então se espalhava por mais de 1,3 milhão de quilômetros quadrados, ou cerca de 15% do território do país. Hoje reduzida a menos de 13% desta cobertura, distribuída em aproximadamente 245 mil fragmentos, pouco resta de sua exuberância original, praticamente desconhecida da população atual. E foi para preencher esta lacuna que o botânico e paisagista Ricardo Cardim liderou o projeto do livro “Remanescentes da Mata Atlântica: as grandes árvores da floresta original e seus vestígios” (Ed. Olhares), com lançamento previsto para esta terça-feira, dia 27.
Maior árvore documentada do bioma em termos de massa, possivelmente um jequitibá-rosa ( Cariniana legalis ), estima-se que tinha um tronco com 6,20 metros de diâmetro e 19,50 metros de circunferência a 1,30 metro do solo, com sua copa provavelmente alcançando uma altura de mais de 40 metros. Supostamente localizada na região de Campinas, era uma árvore famosa, alvo de diversos fotógrafos na época da virada do século XIX para o XX. Apesar disso, seu destino é desconhecido e não há outros indícios de sua existência além das fotos antigas.
— As pessoas veem os remanescentes da Mata Atlântica nas cidades, como a Floresta da Tijuca, e no interior e imaginam que eles são representativos da floresta intacta, mas muitas vezes não passam de uma sombra da floresta original — conta Cardim. — Apesar de 60% a 70% da população brasileira hoje viver em áreas que eram da Mata Atlântica, não nos é ensinado nas escolas como era esta floresta original, nem temos um museu ou qualquer outro lugar que conte sua história. Então eu tinha esta curiosidade muito grande de saber como era esta floresta, qual era o tamanho de suas árvores, sua distribuição e verificar se os remanescentes atuais são de algum modo parecidos com a Mata Atlântica que nossos antepassados conheceram entre o fim do século XIX e início do século XX.
Assim, as gigantes do livro não estão só no passado. Boa parte da obra é focada na busca de grandes árvores que sobreviveram à destruição da Mata Atlântica — processo que também é documentado por imagens desoladoras que integram um capítulo à parte —, registradas em uma série de expedições realizadas por Cardim com o também botânico Luciano Ramos Zandoná e o fotógrafo Cássio Campos Vasconcellos, nas quais percorreram mais de 12,5 mil quilômetros em visitas a algumas das principais áreas de remanescentes da Mata Atlântica do país.
— Já tivemos muitas árvores gigantes na Mata Atlântica, e felizmente ainda temos algumas, que evidenciam o muito que a gente perdeu — diz. — Elas são as últimas testemunhas dos tempos de exuberância do bioma, árvores com séculos de vida. São seres especiais que cresceram antes dos ciclos de desmatamento, antes da destruição da floresta.
Gigantes que dificilmente serão substituídas
Gigantes estas que, uma vez mortas, dificilmente terão substitutas, já que são resultado da competição em uma floresta densa e contínua que praticamente não existe mais, lamenta Cardim.
— Se a gente plantar uma semente de um jequitibá desses agora, mesmo se esperarmos muitos anos ele não vai chegar no tamanho do antigo Jequitibá do Brejão porque não tem ambiente para isso. Será como uma árvore de praça, de copa baixa e tronco curto — explica. — Árvores gigantes como essas precisam de muita competição e uma floresta madura, com topos de 40 metros como era a floresta original, para crescerem tanto. É um ambiente que praticamente não existe mais.
Mas a continuidade da floresta não é necessária só para o crescimento de novas gigantes. Segundo Cardim, as mortes recentes de dois jequitibás centenários na Bahia sugerem que a reconexão dos fragmentos da Mata Atlântica, para além de uma importante estratégia de preservação, é fundamental para a sobrevivência destas últimas grandes árvores do bioma. Exemplo disso é a atual árvore mais alta conhecida do bioma, um jequitibá localizado pelos pesquisadores na região de Ubatã, na Bahia. Apesar de sua copa alcançar espantosos 64 metros de altura, é uma árvore “magrinha”, com um tronco de apenas 2,5 metros de diâmetro, longe dos mais de seis metros do Jequitibá do Brejão e dos estimados até oito metros que atingiam outras gigantes em tempos idos.
— Temos a oportunidade de fazer a ponte entre a Mata Atlântica que nossos antepassados viram e a que as futuras gerações terão acesso — defende. — Mais que reconectar a floresta, precisamos aproximar as pessoas dela. Só estar debaixo de uma árvore de 22 andares de altura emociona mesmo o coração mais duro. É difícil ficar indiferente frente a uma gigante dessas. Acho que esta é a principal contribuição de nosso livro: formar uma linha de pensamento de como foi a floresta original, como ela foi destruída, se transformou e o que sobreviveu, traçando um caminho para restaurar a Mata Atlântica em harmonia com a atividade humana.