Ao longo das quatro décadas de carreira, o mímico Miqueias Paz nunca recebeu uma verba do Fundo de Apoio à Cultura (FAC) para um projeto individual. São quatro décadas de carreira e centenas de espetáculos nos quais a mímica é a linguagem central. Para o artista, há uma percepção de que os mímicos fazem subarte e, por isso, a técnica acaba um pouco alijada na cena dramatúrgica.
O espetáculo é composto de cinco cenas que revisitam vários momentos da trajetória do artista. "Às vezes, a gente se empolga e tem mais", avisa. A mulher trabalhadora e a dupla jornada tão comum entre mães de família é o tema de O balão, e o Brasil trabalhador está em Brasil brasileiro, que retrata um dia na vida de um trabalhador. "Utilizo uma percussão vocal que acaba criando um texto imaginário. O personagem não fala, mas emite uma sonoridade", avisa o artista.
Os sons emitidos pelo mímico durante a encenação acabaram por render uma homenagem na Escola Nacional de Mímica de Cuba. "Eles consideraram que meu trabalho tem uma identidade", diz Miqueias, que também incluiu no espetáculo a cena O assalto, uma brincadeira que explora o universo clownesco para captar a atenção do público. Para a cena final, ele promete uma surpresa. "É um fecho comemorativo", avisa.
Miqueias já fez 38 apresentações do espetáculo. Passou por várias escolas e por cidades como Gama e Planaltina. "A gente fez o máximo de lugares que, ao longo da vida, ajudaram a formatar o trabalho. A ideia foi fazer uma revisitação não só de lugares, mas de mim mesmo. Chega um momento que você quer rever o que fez", conta. O momento foi também de se reconectar com o teatro e com o público.
A mímica ajudou. Para Miqueias, é uma arte sem barreiras, sem lacunas de comunicação que impeçam a compreensão. No espetáculo, ele tenta fazer um retrato de até onde pode ir com a técnica. Emprega desde soluções muito clássicas, baseadas no silêncio e no gesto ilustrativo, até a quebra de paradigmas. A imagem clássica do francês Marcel Marceau com a cara pintada de branco, a calça justa e uma movimentação no limite entre o balé e o teatro tornou-se uma referência.
"Mas essa é apenas uma das referências da mímica", avisa Miqueias. "O que é ser mímico? Estabelecer o gestual como uma grande referência de comunicação cênica. O mímico é aquele que faz do corpo o grande instrumento de comunicação com a plateia sob uma ótica dramatúrgica. Tento brincar com essas duas coisas, tanto com a clássica, que tem uma atmosfera infantil no sentido da pureza, como também com cenas densas, pesadas, que emocionam. É um passeio entre o tradicional e o contemporâneo."
O ator acredita que a mímica perdeu espaço cênico e deixou de ser vista como uma técnica dramatúrgica quando começou a ser exibicionista. "E quando o ator fica preocupado com a técnica, deixa de fazer teatro", acredita. E, para ele, o bacana da mímica é que ela pode ser universal, não tem uma linguagem única. Pode até trazer algumas particularidades do gesto casual mas, no geral, tem poder de comunicação independente do idioma.
Mimicando
Com Miquéias Paz e Carol Lira. Hoje, às 20h, no Sesc Paulo Autran (Taguatinga Norte). Entrada gratuita. Classificação indicativa livre