Testemunhas de um tempo que passou, os relógios analógicos no alto de edifícios emblemáticos do Rio sobrevivem como podem à indiferença de quem já não precisa deles para saber a hora certa do trabalho, do transporte ou daquele esperado encontro no fim da tarde. A concorrência é grande. Há muito, a função passou a ser exercida pelos onipresentes celulares — além de centenas de dispositivos digitais nas calçadas e, claro, dos relógios de pulso. Restou àqueles ponteiros a função de se destacar na paisagem com estilo e graça. Nas fachadas, ajudam a contar parte da história da arquitetura da cidade. Só que nem todos resistem marcando a hora com a precisão esperada.
Dos 11 percorridos pelo GLOBO na semana passada, seis mantinham a pontualidade. Era o caso do instalado no topo de uma torre de cem metros de altura no antigo prédio da Mesbla, em frente ao Passeio Público, no Centro. A peça, um símbolo da região, ganhou recentemente iluminação nova e moderna. Agora, sua luz é de LED.
Relógios do Rio: A arquitetura do tempo
Peças de marketing
A mudança não ofuscou em nada o brilho do conjunto arquitetônico projetado pelo francês Henri Sajous na década de 1930, considerado uma referência do estilo art déco na cidade. Pelo contrário, trouxe ainda mais visibilidade ao prédio, algo coerente com os objetivos originais da construção.
— Os relógios foram muito populares nos prédios erguidos nas décadas de 1920, 1930 e 1940 porque eram uma forma inteligente de chamar a atenção. Além da beleza do edifício em si, muitos deles tinham empresas por trás, como a Mesbla. Com o relógio lá no alto, todo mundo olhava para o prédio e lembrava da marca. Podemos dizer que era um marketing utilitário — analisa a arquiteta e paisagista Francine Trevisan, cuja dissertação de mestrado teve como tema a obra de Henri Sajous no Brasil.
Perto do Passeio, outro relógio, de proporções mais discretas, se sobressai pela beleza. No topo do Edifício Standard — que também ficou conhecido como prédio da Esso — construção igualmente erguida em estilo art déco, segue no ritmo dos minutos com suas linhas retas e econômicas.
— É interessante notar como o desenho desses relógios é simplificado, com linhas retas. São geralmente bastante delicados, mostrando que a grande intenção era mesmo se comunicar com as massas e, de certa forma, estabelecer uma noção de controle do tempo, que antes era exercida por outras instituições, como as igrejas com seus sinos — observa Karolyna Koppke, professora de história da arquitetura e do urbanismo no Ibmec, que tem uma de suas unidades no Rio funcionando no Edifício Stantard.
Na Central, uma relíquia
Embora bastante presentes no art déco, relógios no alto dos prédios estão longe de ser exclusividade do estilo que viveu apogeu nos anos 1930. O Palácio Pedro Ernesto, sede da Câmara Municipal, na Cinelândia, por exemplo, foi erguido entre os anos 1919 e 1923, com os preceitos da arquitetura eclética. Em suas extremidades, dois adereços mostram a passagem do tempo: um deles informa as horas corretamente até hoje, mas o outro, dedicado a apontar o dia do mês, estava adiantado — marcava o dia 15 na tarde do dia 13.
Seguindo pela Avenida Rio Branco, o prédio no número 123, na esquina com a Rua do Ouvidor, tem um curioso relógio de ponteiros funcionando na fachada, poucos metros acima da marquise. No quesito originalidade, só perde para o equipamento de face dupla instalado no número 170 da Rua Camerino: cercado por casario antigo, o prédio, que aparenta estar abandonado, destoa do conjunto de sobrados preservados ao redor. Ele está fora de operação.
Não muito longe dali, fica um dos ícones do Rio, a atração principal no balanço das horas pelos topos de prédios do Rio. Instalado pela IBM, em 1943, no prédio de 32 andares da Central do Brasil, o relógio de quatro faces está sob responsabilidade da Secretaria estadual de Administração Penitenciária (Seap) e, entre altos e baixos ao longo dos anos, tem apresentado bom funcionamento. O órgão informou que a manutenção preventiva e corretiva da máquina é realizada de forma periódica por “um especialista e um eletricista, orientados por um engenheiro mecânico, por conta das engrenagens”.
Não se pode dizer o mesmo do belo e maltratado relógio da antiga Fábrica de Gás, no número 2.610 da Avenida Presidente Vargas, na Cidade Nova. Cravado em uma estrutura cilíndrica, com quatro faces, o equipamento, de origem inglesa, remonta à época da Proclamação da República, em 1889. A lástima é que a máquina está parada e nem ponteiros tem mais. De acordo com a Naturgy, a última reforma no prédio foi realizada em 2016 e, “em razão de atos criminosos de vandalismo, o relógio encontra-se desativado”.
E tem ainda um caçula nessa lista de marcadores do tempo emperrados: o grande mostrador do prédio RB1, no começo da Avenida Rio Branco, estava parado na semana passada. Erguido na década de 1990, em estilo pós-moderno, o prédio reserva lugar de destaque para a peça em seu site: o texto informa que se trata do terceiro maior relógio da cidade, com 7,8 metros de diâmetro, superado só pelo da Central do Brasil (10m) e pelo da Mesbla (9m).
Farol da Hora
Por perto, na Praça Mauá, mais ponteiros se destacam no alto de torres, em cima de prédios art déco. O relógio na sede da Polícia Federal segue funcionando, mas o do Pier Mauá, inaugurado em 1926 e projetado pelo arquiteto francês Joseph Gire, está parado.
Já na Baía de Guanabara, fincada na ponta de um cais na Praia da Ribeira, na Ilha de Paquetá, surge uma surpreendente réplica, em escala reduzida, do relógio da Mesbla. A própria cadeia de lojas ofereceu à Marinha a construção da torre, com 9,45 metros de altura, projetada para funcionar também como farol para orientação de embarcações. A obra ficou pronta em meados dos anos 1960. O “irmão gêmeo” do relógio da Rua do Passeio cumpriu bem suas funções originais por muitos anos. Hoje, está inoperante, mas ainda funciona muito bem para compor a bela paisagem local.