O escritor australiano Morris West (1916 – 1999) escreveu a obra “Arlequim” (1974), que narra o que acontece com um homem, quando se vê envolvido e visado pelos “mercadores da morte”.
Na ausência de uma filosofia que permita frear as pressões do mundo moderno, a era dos assassinos parece que nunca terá fim.
O que vemos agora é o terror rondando o nosso planeta, e a humanidade apavorada, diante da perspectiva de uma hecatombe mundial. O terror nos ronda e os “mercadores da morte” nos cercam. Eles existem, literalmente.
São homens que, através do uso sofisticado de computadores, promovem um assassinato aqui, uma revolução mais além, conspirando sempre contra a humanidade.
Paul Desmond passou a ser constantemente assediado, com sucessivos convites para almoços, jantares, coquetéis, conferências particulares. Alguns “amigos” de Arlequim, há muito afastados, ao saberem da sua enfermidade, procuraram Paul, com informações úteis sobre o mercado de ações, ou sobre um lote de ações a preço reduzido.
O fato mais significativo, porém, foi a intervenção pessoal de Basil Yanko, presidente da “Creative Systems Incorporated”. Seu telex de Nova York foi lacônico e objetivo:
“Em Genebra amanhã. Solicito conferência particular às 10 horas. Confirme, por favor. Yanko.”
Apesar de não gostar de Yanko devido à sua arrogância, Paul confirmou sua presença. Afinal, “Arlequim et Cie” havia subscrito todas as iniciativas da “Creative Systems Incorporated” e suas empresas afiliadas. Por recomendação deles, haviam conquistado uma dúzia de contas da maior importância.
Yanko era um homem alto, esquelético, de pele cinzenta, boca pequena e olhos pretos e pequenos, nos quais não havia o menor indício de humor. Era mundialmente conhecido e bajulado como o mais brilhante cérebro na tecnologia do computador.
Sua riqueza já se tornara conhecida em todo o mundo. Seus sistemas eram os fios que controlavam milhões de vidas-marionetes. Fazia questão de deixar isso bem claro, pois ninguém usava seus sistemas. Ao contrário, seus sistemas é que usavam as pessoas.
Mal começou a reunião em Genebra, Yanko jogou um envelope na frente de Paul e disse:
– Leia isto. É o relatório médico sobre George Arlequim.
Furioso com aquele ato de invasão de privacidade e desrespeito a Arlequim, que se encontrava hospitalizado, Paul mostrou-se indignado. Yanko não poderia estar de posse daquele relatório médico, sobre a saúde de Arlequim, exibindo-o numa reunião.
E Yanko continuou:
– Se Arlequim morrer, os herdeiros naturais são a esposa e um filho ainda criança. A direção de “Arlequim et Cie” será delegada aos atuais diretores e quaisquer talentos novos que eles possam descobrir. Não é muito fácil encontrar bons banqueiros. A consequência lógica é uma redução no valor das ações e nos lucros em potencial.
Essa era a lógica de Yanko, que estava disposto a apostar nessa consequência inevitável. Se Arlequim viesse a morrer, ele queria comprar todas as suas ações. Cobriria qualquer proposta que fosse feita. Se Arlequim sobrevivesse, como não tinha dúvidas Paul, a proposta de Yanko continuava de pé, conforme ele anunciou na reunião. Solicitou, inclusive, que Paul a transmitisse a Arlequim, assim que ele estivesse em condições de examiná-la.
Paul Desmond estava certo de que Arlequim recusaria. Como alternativa, Yanko comunicou que estava preparado para comprar as ações de todos os sócios.
Pelos Estatutos do banco “Arlequim et Cie”, George Arlequim tinha a preferência para comprá-las. Yanko sabia disso, mas esperava que ele estivesse disposto a renunciar à preferência na compra das ações, ou a vendê-la.
Paul perguntou porque esse interesse de Yanko sobre o patrimônio de Arlequim. Ele só fez sorrir. Fez uma pausa e tirou da maleta uma pasta volumosa, acrescentando:
– Vocês nos pagam para efetuarmos uma verificação de segurança em suas contas. Este é o relatório dos últimos seis meses. Os computadores mostraram algumas anomalias curiosas. Descobriram que algumas estão a exigir ação imediata. Se precisar de mais algum esclarecimento ou ajuda, o meu pessoal está à sua disposição.
Yanko se levantou e estendeu a Paul a mão frouxa e fria. Agradeceu por dispor do seu tempo e enviou para Madame Arlequim votos de rápida recuperação do seu marido.
Ao acompanhá-lo ao elevador, Paul Desmond sentiu um tênue calafrio, como mau presságio.
O computador seduz o homem a uma fé cega por ele e depois o trai à sua própria idiotice. Não se pode comprar o cérebro. Aluga-se o seu tempo. Contrata-se analistas de sistemas e se lhes explicam as necessidades.
Recorre-se a programadores, para fornecer ao cérebro os fatos e os números. Baseiam-se decisões de fundamental importância nas respostas proporcionadas pelo computador. Mas, não se tem tranquilidade, com relação aos possíveis erros dos programadores a que eles sejam subornados. Utilizam-se monitores para controlarem o cérebro em busca do menor indício de erro ou fraude. E assim se acreditava que o sistema era seguro e sagrado, à prova de escroques. Ledo engano. As fraudes são constantes.
Havia apenas um sério problema: o cérebro eletrônico, os programadores e os monitores eram todos membros da mesma família, a “Creative Systms Incorporated”, que sonhava em ter todos sob o seu controle, ao comando do seu chefe, Basil Yanko.
Quer gostassem quer não, estavam todos presos dentro de um círculo mágico, riscado por um mago do século XX. O relatório que estava em cima da mesa de Paul, esperando ser aberto, era um documento de magia, cheio de encantamentos e perigosos mistérios. Ele precisava reunir toda a sua coragem para abri-lo. Precisava de silêncio e tranquilidade para examiná-lo. Avisou à secretária que não lhe passasse nenhum telefonema. Trancou a porta e começou a ler o relatório. Duas horas depois, Paul enfrentava a brutal realidade: “Arlequim et Cie.” fora sangrada em quinze milhões de dólares. E quem a sangrara, fora o próprio George Arlequim!!!
A fraude mais absurda que Basil Yanko poderia ter feito em sua vida. Arlequim teria “roubado” seu próprio banco!!!
Paul Desmond quebrou lanças para conseguir cobrir o “desfalque” fraudulento no valor de quinze milhões de dólares, enquanto Arlequim ainda estava hospitalizado.
Quando Arlequim se recuperou da enfermidade, tomou conhecimento de tudo e se recusou a negociar suas ações com Basil Yanko. Lutou, pagando para provar a sua inocência, e não cedeu à pressão do verdadeiro autor da fraude.
Os abutres contavam com as ações do “Arlequim et Cie”. Mas, para desapontamento de todos, principalmente Basil Yanko, Arlequim se recuperou e pôde lutar para se defender da acusação de fraude e punir o verdadeiro culpado.
São os crimes da era cibernética; operações fraudulentas, para prejudicar empresas. É a lei do mais forte. Arlequim foi acusado de roubar seu próprio banco”, em fraude praticada por ordem de Basil Yanko.
Arlequim se recuperou e pode lutar para provar que os mafiosos da computação tinham praticado uma fraude em seu nome, no seu próprio banco.