Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Marcos Mairton - Contos, Crônicas e Cordéis domingo, 27 de outubro de 2019

ARARAS

 

 

ARARAS

Por razões profissionais, vim morar em Brasília em 2016, logo no começo do ano. Na época, não imaginei que ficaria tanto tempo por aqui, mas o fato é que 2019 está terminando, e, com isso, estou prestes a completar quatro anos na Capital Federal.

Estava pensando nisso esta manhã, enquanto recolhia folhas secas no jardim. É um ritual que tenho repetido quase todas as segundas, quartas e sextas-feiras. Desde que passei a morar no Lago Norte, há quase um ano, acordo às seis da manhã, recolho folhas secas no jardim, ponho-as em um saco plástico preto e deixo tudo na lixeira da calçada. Por volta das nove da manhã, o caminhão da coleta de resíduos orgânicos passa recolhendo.

Praticamente todas (senão todas) as vezes em que estou me dedicando a essa atividade, ouço gritos de araras; em seguida, vejo-as passar voando.

É um casal de araras-canindé. Da posição em que me encontro, vejo mais facilmente suas barrigas amarelas, mas também consigo perceber o azul da parte externa de suas asas, que eu bem sei que se estende por todo o seu dorso.

Lindos animais! Demonstram certo esforço para voar — diferentemente das andorinhas e tesourinhas, que também costumam aparecer por aqui — certamente pelo seu peso, mas ainda assim são elegantes no voo, com suas caudas longas formando quase uma ponta no final.

Cada vez que elas passam, fico olhando, até que desapareçam por trás das árvores da vizinhança.

Hoje, porém, nesta manhã do dia 25 de outubro de 2019, ao ouvir a “voz” das araras, notei algo diferente. Pareciam em maior algazarra que a de costume. Não havia pausas entre um grito e outro. Ao contrário, chegavam a emitir sons ao mesmo tempo, em coro.

Olhei para o céu, tentando perceber de qual direção elas vinham, e, que surpresa agradável! Nada menos que oito araras-canindé aproximavam-se, voando baixo, emitindo seu som característico, como se quisessem avisar que passavam por ali.

Um verdadeiro espetáculo da natureza! Fiquei acompanhando o seu voo o quanto pude, admirado com a exuberância da sua beleza!

Um pensamento inesperado levou-me da contemplação à reflexão: se hoje, com toda a urbanização que há nesta área, situada na capital do país, ainda é possível ver espetáculos como esse, imagine-se o que encontraram aqui os europeus que chegaram alguns séculos antes!

Quanta fauna e quanta flora! Quanta riqueza de cores e formas, com toda a diversidade que o Brasil nos oferece, desde o litoral até as partes mais internas, como o cerrado e o pantanal!

Como disse Caminha, em sua carta ao rei, “enquanto andávamos nessa mata a cortar lenha, atravessavam alguns papagaios por essas árvores, deles verdes e outros pardos, grandes e pequenos, de maneira que me parece que haverá muitos nesta terra”.

Não duvido que muitos daqueles homens tenham acreditado haver encontrado aqui um recanto divino, um lugar de bem aventuranças, talvez o Jardim do Éden.

A frase anterior me lembra que a generosidade da natureza não tem sido suficiente para fazermos do Brasil um lugar onde prevaleça a paz e a harmonia, onde não haja tantas pessoas sujeitas à miséria e à violência.

Neste lugar de natureza paradisíaca, os homicídios de cada ano são contados em dezenas de milhares, o trânsito mata outras tantas pessoas, o dinheiro desviado pela corrupção é calculado em bilhões e o crime organizado atua dentro e fora dos presídios. A própria natureza, cuja generosidade acabei de destacar, é muitas vezes agredida ou explorada de maneira desordenada.

Em um país com tantas riquezas naturais, com água em abundância, com um clima tão favorável, que torna todo o seu imenso território utilizável pelos seres humanos, só consigo concluir que estes últimos são os causadores de seus próprios problemas.

Mas hoje não quero me alongar em reflexões sobre as mazelas do Brasil.

Hoje — pelo menos hoje — escolho ficar com sentimento que me causou a visão aquelas oito araras sobrevoando meu jardim.

Hoje, quero reter na memória a beleza e a alegria daquelas aves majestosas. Sem esperar nada do futuro, nem lamentar nada do passado.

Coincidência ou não, no momento em que me preparo para escrever as últimas linhas desta crônica, ouço novamente os gritos das araras. Dessa vez, não posso vê-las, porque estou dentro de casa, em frente ao computador. Mas sua imagem ainda está fresca em minha mente. Isso basta.

Fecho os olhos e vejo novamente o voo daquele bando de araras.


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