Se olharmos para o mapa de Portugal continental e identificarmos as principais regiões produtoras de queijos com Denominação de Origem Protegida (DOP), vemos uma espécie de fronteira: no litoral não há nenhum queijo deste tipo, todos estão concentrados no interior do país, mais próximo da Espanha. Há, contudo, uma exceção, o Queijo de Azeitão, produzido na região de Setúbal, ao sul de Lisboa.
As regiões de produção de queijo são, naturalmente, aquelas onde existe mais gado, neste caso ovelhas e cabras, já que o queijo feito a partir de leite de vaca é produzido nas ilhas dos Açores, onde se destaca o excepcional queijo de São Jorge (também DOP). Mas a história dos queijos dos Açores é muito diferente e já iremos, neste texto, conhecer melhor o São Jorge.
No continente, tudo começa naquela que se tornou a mais célebre região queijeira de Portugal, a Serra da Estrela. É aí que nasce a tradição do queijo de leite de ovelha de pasta mole, coagulado com cardo, que depois irá se espalhar por outras regiões portuguesas. A seguir, vamos conhecer as histórias de seis queijos DOP portugueses e os vinhos para combinar com eles.
Queijo Serra da Estrela
As mais antigas referências ao Queijo Serra da Estrela são do século XII. Era nas ricas pastagens da serra que o gado, as ovelhas da raça bordaleira e/ou churra mondegueira, se alimentava. Isso foi (e continua a ser ainda hoje, para o queijo DOP) um dos fatores determinantes para as características desta iguaria de pasta semimole, amanteigada.
O outro fator que marca o Queijo Serra da Estrela é a utilização do cardo para fazer a coagulação — trata-se dos espinhos pouco afiados e de cor roxa de uma planta que nasce selvagem nos campos. Cortados nos meses de verão, são postos para secar e, depois de desfeitos e diluídos em um pouco de líquido, são usados para a coagulação do leite — tradicionalmente, o queijo fazia-se apenas nos meses frios.
O processo de fabrico deste queijo de leite cru é simples. O leite chega às queijarias, são adicionados o sal e o cardo, e deixado coagulando. Em seguida, a coalhada é cortada à mão e os queijeiros (geralmente mulheres) começam a trabalhar a pasta, retirando-lhe gradualmente o soro (que é aproveitado para o requeijão) e dando-lhe a forma redonda.
Por fim, após a prensagem, a pasta é deixada curando, sendo que este é um queijo amanteigado, pelo que, em geral, a cura prolonga-se entre 60 e 120 dias, em locais com temperatura e umidade controladas. No final, ele deve ter uma consistência mole mas sem entornar. Não deve ser comido de colher, mas sim em fatias.
Queijo Serpa
Para perceber como um queijo em muito semelhante ao da Serra da Estrela surge em Serpa, no Baixo Alentejo (a área de produção abrange 12 concelhos), temos que regressar à história da produção de gado. Se durante o verão a serra tinha pastagens ótimas, no inverno os pastores viam-se obrigados a procurar alimentação para as ovelhas em zonas menos frias. Iniciavam a migração, descendo para sul, até ao Alentejo, para onde levavam os conhecimentos que tinham já do fabrico do queijo.
Por isso, quando visitamos uma queijaria na área de Serpa (antigamente chamadas de rouparias pela quantidade de panos utilizados por vezes para ajudar a retirar o soro e também para fazer as cintas do queijo, permitindo que ele mantenha a forma durante a cura, e ainda para o fabrico do requeijão. Esses panos eram depois postos a secar no exterior da queijaria), assistimos a um processo idêntico ao da Serra.
No final, o resultado é um queijo também de pasta mole, com sabor um pouco mais intenso e picante do que o da Serra da Estrela, com uma ligeira acidez dada pelo cardo, de uma cor amarela clara e poucos furinhos.
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Queijo de Nisa
Outro herdeiro da tradição de queijo de ovelha nascida na Serra da Estrela, o Queijo de Nisa DOP (Nisa situa-se no Alto Alentejo) tem, contudo, algumas características próprias. É feito com leite de ovelhas da raça Merino Branca, posteriormente coagulado com o mesmo cardo utilizado na Serra e, como vimos, no Queijo de Serpa. Ao contrário deste, contudo, é menor, tem uma pasta semidura e um tempo de maturação que terá que ultrapassar os 45 dias. Tradicionalmente, era conservado em talhas de barro com azeite.
Uma das coroas de glória do Queijo de Nisa é o fato de figurar entre os 100 melhores queijos do mundo, em uma escolha da revista “Wine Spectator", que o considerou especialmente indicado para ser acompanhado por vinho.
Queijo de Évora
Estamos ainda no Alentejo, agora a meio caminho entre Serpa e Nisa. Também em Évora existe um queijo de ovelha DOP, feito com leite de animais da raça merino e, mais uma vez, com a utilização do cardo para obter a coagulação. De tamanho menor que o da Serra da Estrela ou o de Serpa, este é, tal como o de Nisa, um queijo de pasta semidura ou dura (tem um tempo de maturação mínimo de 30 dias para a primeira e 90 para a segunda), ligeiramente quebradiça, amarelo claro, de sabor intenso, salgado e picante com alguma acidez.
Tal como os outros queijos regionais, este teve no passado grande importância para a economia desta região, sendo um alimento essencial para os mais pobres, que frequentemente recebiam queijo e outros alimentos como parte do seu salário. Duas curiosidades: tradicionalmente, no início do processo, o leite é filtrado usando-se panos previamente salgados. Em seguida é aquecido a fogo de lenha.
Queijo Picante da Beira Baixa
Há, na região da Beira Baixa, próximo de Castelo Branco, no centro de Portugal, três queijos DOP: o Amarelo (queijo de ovelha curado quando não é DOP), o Picante (que na sua versão não certificada se chama “queimoso”) e o de Castelo Branco. Esta região, mais próxima da Serra da Estrela do que o Alentejo, recebia também os rebanhos da Serra quando nesta o frio começava a apertar e a comida a escassear nas pastagens.
Uma diferença relativamente ao Alentejo é que aqui era muito mais habitual ter rebanhos de ovelhas e de cabras pastando em conjunto, o que significa que muitas vezes o leite acabava por ser de mistura entre as duas raças, sendo, como se sabe, o leite de ovelha mais gordo e o de cabra com maior acidez. Uma segunda diferença tem a ver com o coalho utilizado, que no caso do Amarelo e do Picante é animal e não vegetal como acontece nos queijos nos quais se usa o cardo.