Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Coluna do DIB terça, 05 de maio de 2020

APOLOGIA DE INTERVENÇÃO: FASCISMO OU IGNORÂNCIA?

 

APOLOGIA DE INTERVENÇÃO: FASCISMO OU IGNORÂNCIA?

A. C. Dib

 

                        Em uma publicação no Facebook, na qual chamei de “fascistas” os apologistas de intervenção militar, fui censurado por uma grande amiga que, retrucando a adjetivação, respondeu dizendo que “os que eu chamei de fascistas seriam, em verdade, gente simples e sofrida, pessoas do povo fartas de corrupção na política e cansadas da velhacaria dos maus políticos”.

                        Depois de muito meditar nas palavras dessa querida amiga, firmei entendimento de que lhe assiste parcial razão: muitos daqueles que “militam” no movimento por intervenção militar o fazem por total desconhecimento de causa, por absoluta ignorância. Lastimavelmente, parecem ignorar o que seja um golpe de estado, uma ditadura, a seriedade da ruptura constitucional com a respectiva supressão da liberdade e da democracia.

                        Penso que muitos ali não viveram ― ou vivenciaram ― os anos do ciclo militar: ou (como eu) eram crianças nesse período ou já nasceram na vigência do regime democrático restaurado.

                        Bem assim, néscios no assunto, simplórios, desconhecem a real dimensão de uma ditadura, ignoram o que reside por detrás do sorriso de um tirano: supressão da liberdade de pensamento, de escolha e de opinião, supressão de direitos e garantias individuais, violências generalizadas, tortura a presos políticos, assassinato de opositores, prisões arbitrárias, censura à imprensa e à livre expressão, imposição de ideias e de costumes, perseguição a desafetos indefesos, violações a direitos humanos, opressão e medo. Tais apologistas da intervenção militar não imaginam ou calculam o terror que impera em um regime ditatorial, o pavor de desaparecer misteriosamente na calada da noite, o desespero de não ter defesa contra inimigos ferozes e poderosíssimos, a total vulnerabilidade e fragilidade frente ao gigantismo do Estado. Em 1964, muitos dos que clamavam por intervenção militar só passaram a valorizar a liberdade depois de perdê-la. Certo que, naqueles idos não muito distantes, imperava agitação (no seio das próprias Forças Armadas, inclusive), caos político e o advento da célebre “ameaça vermelha”, o que, absolutamente, não se verifica hoje, com as instituições funcionando em pleno vigor democrático/constitucional.

                        Já vi alguns desses alienados apologistas sustentarem que não desejam golpe de estado e implantação de uma ditadura, mas, tão somente, uma mera “intervenção militar”, como se a tal intervenção fosse uma prática constitucional e asséptica, na qual os militares, frente à incompetência do poder civil, assumiriam temporariamente o poder e, varrendo daqui, espanando dali, eliminariam a poeira e a bagunça, colocariam ordem na casa e rumo na nau e, discretamente, se retirariam, devolvendo gentilmente o poder aos civis. Ignoram que a última intervençãozinha durou vinte anos ― vinte longos anos de madrugada sombria e tenebrosa. Isso sem contar os anos de Estado Novo ― ditadura de Vargas ―, também muito eficaz e prolífica nas maldades praticadas em nome da Pátria. Em um desses grupos de apologistas da intervenção militar, certa feita, publicada uma foto de presidente do ciclo militar, imperou a dúvida se o retrato seria de Médici ou de Figueiredo. Semelhante desconhecimento é de estarrecer, eis que é abissal a diferença que separa ambos os generais: enquanto Figueiredo foi o homem da anistia, da abertura política, Presidente que restaurou as liberdades democráticas, Médici foi um dos mais truculentos ditadores que o Brasil já conheceu.

                        Já ouvi que o Brasil não teve uma ditadura genuína, mas uma “democracia à brasileira”. Cito, aí, o pensamento de Sobral Pinto, para quem: “Não existe a tal democracia à brasileira; existe, sim, peru à brasileira, eis que a democracia é uma só: ou existe, ou não”. Já ouvi, também, com ares de deboche do interlocutor, que o Brasil não viveu de fato ditadura, mas uma “ditamole”, eis que ditaduras como a chilena ou a argentina teriam sido bem mais violentas que a brasileira. Curioso medir o grau de autoritarismo de uma ditadura pela altura da pilha de cadáveres que produz.

                        Não existe, meus amigos, “ditadura boazinha”: toda ditadura é má, torpe, desleal, vil, impiedosa, agressiva, sanguinária. Ditadura não é solução pra nada, mas, isto sim, fonte de problemas, de dramas, de infelicidade e sofrimentos. A ditadura se mantém pela força e pelo medo. O medo é sopro de vida das ditaduras, alimento dos ditadores. E o medo se impõe com aplicação da violência. Ditadura não é panaceia redentora e reformadora para corrigir todos os problemas do Brasil. Delirante utopia, lamentável desconhecimento da história recente brasileira.

                        Só na democracia encontraremos solução para os problemas nacionais, pela livre fluência e debate de ideias, pela livre escolha de propostas e de governantes, pelo diálogo fraterno e fixação de entendimentos. Escolhas ruins são corrigidas por novas escolhas. O voto é profundamente didático e o processo político democrático forma legítimos cidadãos. Eventuais falhas do modelo democrático se fazem corrigir com mais e mais democracia. Só no regime democrático impera a verdadeira vontade e soberania populares.

                        Juscelino Kubitschek, com seu programa “Cinquenta Anos em Cinco”, há muito já demonstrou que a democracia convive maravilhosamente bem com o desenvolvimento econômico. O célebre Julgamento do Mensalão e a Operação Lavajato, por sua vez, fizeram ver que não necessitamos de ditaduras para punirmos corruptos (punições fartamente distribuídas sem arbítrio, com total observância das garantias constitucionais de contraditório, ampla defesa e devido processo legal).

                        De toda sorte, se a maioria dos apologistas da intervenção militar são pessoas humildes, sofridas, simplórias e desprovidas de total domínio daquilo que defendem, temos que os “líderes” ou “cabeças” desse movimento não são tão ingênuos e inocentes assim. Esses, sim, são pessoas de formação totalitária, extremistas natos e convictos, fascistas conscientes e bem calçados em seu ardor radical, liberticidas que se valem da ignorância e da credulidade dos tolos para venderem seu peixe podre e fétido.

                        Claro, também, que ainda que larga parte desses apologistas de golpe de estado não saibam ao certo do que estão a falar e a pregar, ainda assim a tese que defendem é profundamente perniciosa, nociva, maléfica e desastrosa, além de criminosa. Trata-se de tese fascista. Se na democracia em vigor defendem a ditadura, em uma ditadura não poderiam defender a adoção da democracia.

                        Violar a ordem democrática por meios violentos, com ruptura constitucional e propósito de imposição de regime antidemocrático e ditatorial é crime e fazer apologia de fato tipificado como crime é crime também. Democracia não é “a casa da mãe Joana”, o regime da desordem. Democracia ― governo do povo ― não é anarquia ― ausência de governo. Também na democracia ― e principalmente na democracia ― existem leis que controlam e limitam o poder dos governantes e se fazem impor a todos igualmente, sem exceções. Segue em curso investigação para identificar os líderes do movimento criminoso por golpe de estado, com fechamento do Congresso Nacional ― a chamada “Casa do povo” ― e fechamento do Órgão máximo do Poder Judiciário, o Supremo Tribunal Federal. Esperamos que ditas investigações cheguem a bom termo, o mais rapidamente possível, fazendo com que os idealizadores do projeto fascista de golpe de estado, com implantação de ditadura, sejam rigorosamente punidos, na forma da lei.

                        O Presidente Bolsonaro, por sua vez, parece estimular veladamente o malfadado movimento, talvez acalentando o sonho utópico de se converter “nesse homem forte de que o Brasil tanto necessita”. Felizmente o povo brasileiro, em sua larga maioria, parece estar vacinado contra esse vírus do autoritarismo, vendo com ceticismo o messianismo populista de salvadores da Pátria. E os Chefes Militares, nossos oficiais generais, homens muito preparados, sérios, lúcidos, devotados à Constituição e ao regime democrático, não vislumbram qualquer clima para passo tão sério e grave. Ao contrário, no instável Governo Bolsonaro os ministros militares constituem o elemento de equilíbrio e racionalidade a conferir um mínimo de credibilidade a tão perdido governo. Seguem os militares trabalhando com patriotismo, sem politicagens, com rigorosa isenção técnica, no cumprimento da relevante missão que a Carta de 1988 lhes reservou. Outrossim, radical, polêmico, despreparado, psicologicamente instável e sempre testando ao máximo o limite da estabilidade institucional, não temos dúvida de que, na absurda hipótese de um golpe militar, Bolsonaro seria o primeiro a cair, seria o primeiro cassado.


Escreva seu comentário

Busca


Leitores on-line

Carregando

Arquivos


Colunistas e assuntos


Parceiros