APELO DE UM AGRICULTOR (POEMA DO CEARENSE PATATIVA DO ASSARÉ)
APELO DE UM AGRICULTOR
Patativa do Assaré
Seu dotô, não lhe aborreço,
Venho é fazê um pedido
E como sei qui merêço,
Espero sê atendido.
Não quera se aborrecê,
Pois antes de lhe dizê
O meu desejo sagrado,
Vou minha históra contá
E o senhô vai iscutá
Todo meu palavriado.
Vevi sempre a trabaiá
De ferramenta na mão
Tenho no rosto o siná
Do quente só do sertão.
Tratando de agricurtura
Já mostrei grande bravura
Sempre dei uma premêra
Naquele tempo passado,
Fui o herói do machado
Foice, inxada e roçadeira.
Sei qui o dotô inguinora,
E tem bastante razão,
Pois quem na cidade mora,
Não vai pensá no Sertão,
E por isso eu vou assim
Contá tin-tin por tin-tin
Como é que tenho vivido,
Minhas razão eu dizendo
O dotô fica sabendo
Quanto eu lhe tenho servido.
Sou pai de quatôze fio,
Cabras macho de valô,
Pois num tem nenhum vadio,
São todos trabaiadô,
Cada um destes cabôco
Aprendeu a lê um pôco,
Mais porém mode votá,
Nunca nenhum levô pau,
Já são quatôze degrau
Pra seu dotô se atrepá.
Quando o dia amanhecia,
Que meu café eu tomava,
Pra meu roçado ia
E os fio me acompanhava;
Pra roça eu levava tudo
Era os miúdo e os graúdo,
Era os menino e os rapaz,
Eu satisfeito e contente
Ia seguindo na frente
E aquela infiêra atráz.
O mais véio dava um grito:
__Anima rapaziada!
Era um truvejo bonito
No manejá das inxada;
Com licença da palavra,
Eu tinha da minha lavra
Munta gente em serviço
Trabaiando no roçado
Mode abastecê os mercado
Com os geno alimenticio
Defendendo a vida alêia,
Vivi sempre a trabaiá
E nunca fiz cara feia
Promode imposto pagá,
Pois todos aquele que tem
Budega, loja , armazém
E ôtras vendas de valô
O seu lucro nunca estraga,
Pruquê o imposto quem paga
É sempre o consumidô.
Fui um correto sujeito
E nunca baruio fiz.
Bradando contra os dereito
Criado em nosso país,
Eu nunca me revortava
Quando pra fêra eu levava
Mio, farinha e feijão
Mode vendê no mercado
Qui chegava um impregado
Trazendo um papé na mão.
O agricurtô é desposto
Ele vende , paga imposto,
Se compra, paga também.
Nesta coisa maginando
Vejo qui venho pagando
Imposto derne menino,
Quando comprava bom-bom
Qui chupava e achava bom
Quando eu era pequeninino.
Mesmo assim , falando errado,
Já contei a seu dotô,
Quem eu já fui no passado,
Honesto e trabaiadô.
A linguage tá errada
Mas a verdade é sagrada.
E agora preste tensão,
Tenha a bondade de uvi
O qui eu venho lhe pedi
Com dereito e com razão:
Não lhe minto e nem lhe nego
Já tenho sessenta ano,
Sofro munto, não sossego,
Já vivo mole, sem prano;
E por isto, nesta idade,
Eu venho aqui lhe rogá
Pra eu sê apusentado
Com dereito carimbado,
Por meio do FUNRURÁ.
Sessenta ano, pra mim,
É uma carga pesada,
Tô achando munto ruim,
O peso da minha inxada;
Os fio todos casado
Eu, doente, fracassado,
E além de vivê doente,
Sou da percisão cativo
Sei lá se eu ainda vivo
Mais cinco ano pra frente?
Sei que o dotô considera
O meu dito verdadêro.
Que diabo é que a gente espera
Já com sessenta janêro?
Esta idade é um castigo
E é por isto que lhe digo:
Minha aposentadoria
Já é tempo de fazê,
Eu passos mais vivê
Dando murro todo dia.
Eu, novo, resovi tudo
Qui fiquei de péia grossa,
Fui cabra bamba, peitudo
Iguá um boi de carroça;
Passei minha vida intêra
Naquela grande cansêra
Da paioça pro roçado.
Se o nosso Brasi falasse
O lucro que eu tenho dado.
Já tô de cabelo branco,
A cara toda incuída,
Eu lhe digo e falo franco
Nesta viage da vida
Já tô no fim do caminho;
Seu dotô , vá de pouquinho
Mandando de lá pra cá,
Pra este meu cativêro,
Uma parte do dinhêro
Que mandei daqui pra lá.