Morreu nesta quinta-feira o diretor de teatro Antunes Filho, aos 89 anos. Considerado um dos maiores nomes do teatro no Brasil, ele estava internado desde segunda-feira no Hospital Sírio-Libanês, onde tratava um câncer.
Antunes Filho revolucionou o teatro brasileiro. Foi um grande nome do início da cena moderna no país, na metade do século XX, marcada, principalmente, pelo advento do encenador como profissional que passou a imprimir assinatura autoral nos espetáculos. E esteve à frente de, pelo menos, uma encenação que pode ser considerada como divisora de águas: “Macunaíma”, adaptação do livro de Mário de Andrade, apresentada a partir de 1978, resultado de seu glorioso encontro com o Grupo Pau-Brasil.
Numa época marcada pela soberania do encenador estrangeiro no Brasil – profissionais que, diga-se de passagem, revolucionaram o palco brasileiro –, não era muito fácil para o diretor nacional se impor e Antunes só conseguiu impulsionar a sua carreira a partir do final dos anos 1950 com o surgimento do Pequeno Teatro de Comédia, grupo que ajudou a fundar e onde realizou espetáculos como “Plantão 21”, de Sidney Kingsley, e “As feiticeiras de Salém”, de Arthur Miller.
Com o fim do grupo, Antunes retornou ao TBC no início da década de 1960, numa fase em que a companhia de Zampari tinha Flavio Rangel como diretor artístico. Lá, encenou “Yerma”, de Federico García Lorca, e “Vereda da salvação”, de Jorge Andrade – esse último, texto que Antunes retomaria quase 30 anos depois, numa montagem excepcional com os atores do Centro de Pesquisa Teatral e as presenças de Laura Cardoso e Luís Melo.
Nelson Rodrigues revisitado
Na sequência, dirigiu os alunos da Escola de Arte Dramática em “A falecida”, de Nelson Rodrigues, autor que revisitaria com constância nas décadas seguintes. Sua inquietação o levou a fundar outro grupo, o Teatro de Esquina, com o qual encenou “A megera domada”, de William Shakespeare. Transitando entre trabalhos concebidos dentro de companhias e avulsos, montou “Black-out”, de Frederick Knott, e “A cozinha”, de Arnold Wesker, evidenciando, no segundo caso, uma pesquisa voltada para o realismo materializada na minuciosa cenografia de Maria Bonomi.
Teve breve experiência no cinema com o filme “Compasso de espera” e retomou a atividade teatral com a empresa Antunes Filho Produções Artísticas, partindo para montagens de textos relevantes, como “Peer Gynt”, de Henrik Ibsen, “Corpo a corpo” e “Em família”, ambas peças de Oduvaldo Vianna Filho. Outros trabalhos dignos de nota despontaram: conduziu Maria Della Costa nas encenações de “Bodas de sangue”, de Federico García Lorca, e “Tome conta da Amelie”, de Georges Feydeau, e propôs uma versão de “Esperando Godot”, de Samuel Beckett, só com atrizes – entre elas, Eva Wilma, Lelia Abramo e Lilian Lemmertz.
Nesse instante, deu vazão à criação de “Macunaíma”, dotada de características que passariam determinar parte considerável de suas realizações futuras, tanto no que diz respeito a uma cena sintética, concebida por meio de elementos reduzidos (em “Macunaíma”, os atores sugeriam imagens através da manipulação de jornais e lençóis), quanto de um modelo de produção voltado para o aprofundamento do trabalho junto ao grupo e não mais para o investimento em espetáculos avulsos.
A valorização do texto brasileiro também se acentuou em seu percurso. Já no Centro de Pesquisa Teatral, Antunes partiu para montagens de peças de Nelson Rodrigues – “Nelson Rodrigues, o eterno retorno” e “Paraíso Zona Norte”. Ainda nos anos 1980, apresentou uma versão de “A hora e a vez de Augusto Matraga”, de Guimarães Rosa, e encenou “Xica da Silva”, de Luís Alberto de Abreu, marcando, com esse último espetáculo, o início da parceria com o cenógrafo J.C. Serroni.
Ousou com “Nova velha história”, adaptação da fábula de “Chapeuzinho vermelho” na qual os atores falavam fonemol, recurso presente em montagens futuras, como “Drácula e outros vampiros” e “Foi Carmen”. Mergulhou em “Macbeth”, tragédia de William Shakespeare, rendendo a montagem de “Trono de sangue”. E surpreendeu com “Gilgamesh”, a partir de texto sumério escrito em 2600 a.C.
A partir do final da década de 1990, deu vazão a projetos aparentemente contrastantes, mas que se relacionavam na valorização de uma cena norteada pela importância do ator: a apresentação de cenas contemporâneas, marcadas por registro naturalista, propostas pelos próprios atores – reunidas no projeto “Prêt-à-porter” – e a encenação de tragédias gregas (em “Fragmentos troianos”, “Antígona”, “Medeia”).
Nos anos 2000, Suassuna e Lima Barreto
Já nos anos 2000, seguiu dando destaque ao texto brasileiro por meio das encenações de “A pedra do reino”, a partir da obra de Ariano Suassuna, “O triste fim de Policarpo Quaresma”, de Lima Barreto, e “Falecida vapt-vupt”, retomando Nelson Rodrigues, sem perder de vista, porém, o repertório estrangeiro, a julgar por “Nossa cidade”, de Thornton Wilder, “Blanche”, apropriação de “Um bonde chamado desejo”, de Tennessee Williams, e “Eu estava em minha casa e esperava que a chuva chegasse”, de Jean-Luc Lagarce.
Além de ter se dedicado a montagens de destaque ao longo dos anos, Antunes se deteve na formulação de um método de trabalho para o ator. Sua grande contribuição ao teatro brasileiro foi devidamente pesquisada por Sebastião Milaré e permanece presente em todos os artistas dirigidos por ele.