ANTONIO SILVINO, O REI DOS CANGACEIROS – Leandro Gomes de Barros
Antonio Silvino (1875 – 1944)
O povo me chama grande
E como de fato eu sou
Nunca governo venceu-me
Nunca civil me ganhou
Atrás de minha existência
Não foi um só que cansou.
Já fazem 18 anos
Que não posso descansar
Tenho por profissão o crime
Lucro aquilo que tomar,
O governo às vezes dana-se
Porém que jeito há de dar?!
O governo diz que paga
Ao homem que me der fim,
Porém por todo dinheiro
Quem se atreve a vir a mim?
Não há um só que se atreva
A ganhar dinheiro assim.
Há homens na nossa terra
Mais ligeiros do que gato,
Porém conhece meu rifle
E sabe como eu me bato,
Puxa uma onça da furna,
Mas não me tira do mato.
Telegrafei ao governo
E ele lá recebeu,
Mandei-lhe dizer: doutor,
Cuide lá no que for seu,
A capital lhe pertence
Porém o estado é meu.
O padre José Paulino
Sabe o que ele agora fez?
Prendeu-me dois cangaceiros,
Tinha outro preso fez três,
O governo precisou
Matou tudo de uma vez.
Porém deixe estar o padre,
Eu hei de lhe perguntar
Ele nunca cortou cana
Onde aprendeu a amarrar?
Os cangaceiros morreram
Mas ele tem que os pagar.
Depois ele não se queixe,
Dizendo que eu lhe fiz mal,
Eu chego na casa dele,
Levo-lhe até o missal,
Faço da batina dele
Três mochilas para sal.
Um dos cabras que mataram,
Valia três Ferrabrás
Eu não dava-o por cem papas,
Nem quinhentos cardeais
Não dava-o por dez mil padres,
Pois ele valia mais.
Mas mestre padre entendeu
Que ia acertadamente
Em pegar meus cangaceiros
E fazer deles presente,
Quem tiver pena que chore
Quem gostar fique contente.
Meus cangaceiros morreram
Mas ele morre também,
Eu queimando os pés aqui
Nem mesmo o diabo vem,
Eu não vou criar galinhas
Para dar capões a ninguém.
Tudo aqui já me conhece
Algum tolo inda peleja,
Eu sou bichão no governo
E sou trunfo na igreja.
Porque no lugar que passo
Todo mundo me festeja.
No norte tem quatro estados
À minha disposição,
Pernambuco e Paraíba
Dão-me toda distinção,
Rio-Grande e o Ceará
Me conhecem por patrão.
No Pilar da Paraíba
Eu fui juiz de direito,
No povoado – Sapé,
Fui intendente e prefeito,
E o pessoal dali
Ficou todo satisfeito.
Ali no entroncamento
Eu fui Vigário-Gral,
Em Santa Rita fui bispo,
Bem perto da capital,
Só não fui nada em Monteiro,
Devido a ser federal.
Porém tirando o Monteiro,
O resto mais todo é meu,
Aquilo eu faço de conta
Que foi meu pai que me deu
O governo mesmo diz:
Zele porque tudo é seu.
Na vila de Batalhão,
Eu servi de advogado,
Lá desmanchei um processo
Que estava bem enrascado,
Livrei três ou quatro presos
Sem responderem jurado.
Só não pude fazer nada
Foi na tal Santa Luzia.
Perdi lá uma eleição,
A cousa que eu não queria,
Mas o velho rifão diz:
Roma não se fez n’um dia.
O padre José Paulino
Pensa que angu é mingau
Entende que sapo é peixe
E barata é bacurau
Pegue com chove e não molha,
Depois não se meta em pau.
Eu já encontrei um padre,
Recomendado de papa,
Tinha o pescoço de um touro,
Bom cupim para uma tapa,
Fomos às unhas e dentes,
Foi ver aquela garapa.
Quando o rechonchudo viu
Que tinha se desgraçado,
Porque meu facão é forte,
Meu baço é muito pesado,
Disse: vôte, miserável,
Abancou logo veado.
Eu gritei-lhe: padre-mestre,
Me ouça de confissão.
Ele respondeu-me: dane-se
Eu lhe deixo a maldição,
Em mim só tinha uma coroa,
Você fez outra a facão.
Eu inda o deixei correr
Por ele ser sacerdote,
Para cobra só faltava
Enroscar-se e dar o bote,
Aonde ele foi vigário,
Quatro levaram chicote.
Foi tanto qu’eu disse a ele:
Padre não seja atrevido
Tire a peneira dos olhos,
Veja que está iludido,
Eu lhe respeito a coroa,
Porém não o pé do ouvido.
O velho padre Custódio,
Usurário, interesseiro,
Amaldiçoava quem desse
Rancho a qualquer cangaceiro,
Enterrou uma fortuna,
E eu sonhei com o dinheiro!…
Então fui na casa dele,
Disse, padre eu quero entrar,
Sonhei com dinheiro aqui!…
E preciso o arrancar,
Quero levá-lo na frente
Para o senhor me ensinar.
O padre fez uma cara,
Que só um touro agastado,
Jurou por tudo que havia,
Não ter dinheiro enterrado,
Eu lhe disse, padre-mestre,
Eu cá também sou passado.
Lance mão do cavador,
E vamos ver logo os cobres,
Esse dinheiro enterrado
Está fazendo falta aos pobres,
Usemos de caridade
Que são sentimentos nobres.
Dez contos de réis em ouro
Achemos lá n’um surrão,
Três contos de réis em prata
Achou-se n’outro caixão,
Eu disse: padre não chore,
Isso é produto do chão.
O padre ficou chorando
Eu disse a ele afinal
Padre mestre este dinheiro
Podia lhe fazer mal
Quando criasse ferrugem
Lhe desgraçava o quintal.
Ajuntei todos os pobres
Que tinham necessidade
Troquei ouro por papel
Haja esmola em quantidade
Não ficou pobre com fome
Ali naquela cidade.
O padre José Paulino
Acha que estou descansado
Queria fazer presente
Ao governo do Estado
Deu três cangaceiros meus
Sem nada lhe ter custado.
Um desses ditos rapazes,
Estava até tuberculoso,
O segundo era um asmático,
O terceiro era um leproso,
O urubu que o comeu
Deve estar bem receios.
Tive nos meus cangaceiros
Um prejuízo danado,
Primeiro foi Rio-Preto,
Segundo Pilão-Deitado,
Os homens mais destemidos
Que tinham me acompanhado.
Eu juro pelo meu rifle,
Que o Padre José Paulino
Cai sempre na ratoeira
E paga o grosso e o fino,
Não há de casar mais homem,
Nem batizar mais menino.
Eu sempre gostei de padre
Tenho agora desgostado
Padre querer intervir
Em negócio do Estado?!…
Viaja sem o missal,
Mas leva o rifle encostado.
Em vez de estudar o meio
Para nos aconselhar,
Só quer saber com acerto,
Armar rifle e atirar,
Lá onde ele ordenou-se,
Só lhe ensinaram a brigar.
Depois ele não se queixe,
Nem diga que sou malvado,
Ele nunca assentou praça
Como pode ser soldado?
Não tem razão de queixar-se,
Se tiver mau resultado.
Quatro estados reunidos
Tratam de me perseguir,
Julgam que não devo ter
O direito de existir,
Porém enquanto houver mato,
Eu posso me escapulir.
Eu ganhando essas serras,
Não temo alguém me pegar
Ainda sendo um que pegue,
Uma piaba no mar,
Um veado em mata virgem
E uma mosca no ar.
Eu já sei como se passa
Cinco dias sem comer,
Quatro noites sem dormir,
Um mês sem água beber,
Conheço as furnas onde durmo
Uma noite se chover.
Uma semana de fome,
Não me faz precipitar,
Mato cinco ou seis calangos
Boto no sol a secar,
Quatro ou cinco lagartixas,
Dão muito bem um jantar.
Eu passei mais de um mês
Numa montanha escondido,
Um rapaz meu companheiro
Foi pela onça comido,
Por essa também
Eu fui muito perseguido.
Era um lugar esquisito,
Nem passarinho cantava!…
Apenas à meia noite
Uma coruja piava,
Então uma grande onça,
De mim não se descuidava.
Havia muito mocós,
Eu não podia os matar,
Andava tropa na serra
Dia e noite a me caçar,
No estampido do tiro
Era fácil alguém me achar.
Passava-se uma semana
Que nada ali eu comia,
Eu matava algum calango
Que por perto aparecia
Botava-os na pedra quente
Quando secava eu comia.
Quando apertava-me a sede
Pegava a croa de frade
Tirava o miolo dela
Chupava aquela umidade
Lá eu conheci o peso
Da mão da necessidade.
Um dia que a tropa andava
Na serra me procurando
Viram que um grande tigre,
Estava em frente os emboscando
Um dos oficiais disse:
Estamos nos arriscando.
E o Antonio Silvino
Não anda neste lugar,
Se ele andassem, aquela onça
Havia de se espantar,
Eu estava perto deles,
Ouvindo tudo falar.
Ali desceu toda a tropa,
Não demoraram um momento,
Um soldado que trazia
Um saco de mantimento,
Por minha felicidade
Deixou-o por esquecimento.
Eu estava dentro do mato,
Vi quando a tropa desceu
O tigre soltou um urro,
Que o tenente estremeceu
Até a borracha d’água
Uma das praças perdeu.
Quando eu vi que a tropa ia
Já n’uma grande lonjura,
Fui, apanhei a mochila,
Achei carne e rapadura,
Farinha queijo e café,
Aí chegou-me a fartura.
Achei a borracha d’água
Matei a sede que tinha,
A carne já estava assada,
Fiz um pirão de farinha
Enchi a barriga e disse:
Deus te dê fortuna, oncinha.
Porque a tua presença,
Fez toda a força ir embora,
O ronco que tu soltasses,
encheu-me a barriga agora,
Eu com a sede que estava,
Não durava meia hora.
E é agora o que faço,
Havendo perseguição,
Procuro uma gruta assim
E lá faço habitação,
Só levo lá, um, dous rifles
E o saco de munição.
Me mudo para uma furna
Que ninguém sabe onde é,
A furna tem meia légua
Marcando de vante a ré,
A onça chega na boca
Mas dentro não põe o pé.
A onça conhece a furna,
Desde a entrada à saída
Porém qual é essa fera
Que não tem amor à vida?
Uma onça parte assim,
Se vendo quase perdida!…
Quando eu deixar de existir
Ninguém fica em meu lugar,
Ainda que eu deixe filho,
Ele não pode ficar,
Porque a um pai como eu
Filho não pode puxar.
Pode ter muita coragem
Ser bem ligeiro e valente,
Mas vamos ver suporta
Passar três dias doente,
Com sede de estalar beiço
E fome de serrar dente.
Se não tiver natureza
De comer calango cru,
Passe um mês sem beber água
Chupando mandacaru,
Dormir em furna de pedra
Onde só veja tatu.
Não podendo fazer isso,
Nem pense em ser cangaceiro,
Que é como um cavalo magro
Quando cai no atoleiro,
Ou um boi estropiado
Perseguido do vaqueiro.
Há de ouvir como cachorro,
Ter faro como veado,
Ser mais sutil do que onça,
Maldoso e desconfiado,
Respeitar bem as famílias,
Comer com muito cuidado.
Andar em qualquer lugar
Como quem está no perigo,
Se for chefe de algum grupo
Ninguém dormirá consigo,
O próprio irmão que tiver,
O tenha como inimigo.
O cangaceiro sagaz
Não se confia em ninguém,
Não diz para onde vai,
Nem ao próprio pai se tem,
Se exercitar bem nas armas,
Pular muito e correr bem.
Em meu grupo tem entrado
Cabra de muita coragem,
Mas acha logo o perigo
E encontra a desvantagem
Foge do meio do caminho,
Não bota o meio da viagem.
Porque andar vinte léguas
Isso não é brincadeira,
E romper mato fechado,
Subir por pedra e ladeira,
Como eu já tenho feito,
Não é lá cousa maneira.
Pegar cobra como eu pego
Quando ela quer me morder,
Cascavel com sete palmos,
Só se Deus o proteger,
Mas eu pego quatro ou cinco
E solto-a, deixo-a viver.
Que é para ela saber,
Que só eu posso ser duro,
Eu já conheço o passado,
Nele ficarei seguro,
Penso depois no presente
Previno logo o futuro.