19 de agosto de 2020 | 05h00
Em uma das principais cenas do filme, a maestrina se vê obrigada a interromper o ensaio e se dirigir a um dos violinistas. Reclama da falta de atenção a suas orientações, questiona o que estão todos ali fazendo e discursa um longo monólogo sobre o sentido do fazer musical.
“Foi ali, naquele momento, que eu de fato compreendi pelo que ela deve ter passado, foi ali que eu senti o que ela deve ter sentido. De repente, você se vê diante de noventa homens olhando para você, todos eles preferindo que você não estivesse ali. Toda a luta de Antonia revelou-se de uma maneira bastante al”, conta a atriz holandesa Christanne de Brujn.
Christanne interpreta a maestrina norte-americana Antonia Brico no filme Antonia – Uma Sinfonia, de Maria Peters, baseada na história real da musicista que, no início do século 20, furou a barreira de um mercado dominado por homens, tornando-se a primeira mulher a reger a Filarmônica de Berlim.
“Eu fiquei espantada quando conheci sua história”, diz a cineasta holandesa. “Assisti a um documentário sobre sua vida e me perguntei por que ninguém antes havia feito um filme sobre ela, em especial na Holanda, uma vez que ela nasceu aqui. Resolvi então que faria isso e, desde o início, contei com todo o apoio de sua família.”
Antonia nasceu em Roterdã em 1902, mas mudou-se com a família aos 5 anos para os Estados Unidos, onde passou a viver na Califórnia. Estudou piano e regência em São Francisco, antes de mudar-se para a Europa, onde foi aceita em 1927 como aluna da Academia Estatal de Música em Berlim. Três anos depois, regeu a Filarmônica de Berlim e passou a trabalhar com a Sinfônica de São Francisco, nos EUA, e a Filarmônica de Hamburgo, na Alemanha. Depois de reger orquestras como a Filarmônica de Nova York, criou a Women’s Symphony Orchestra em Washington e radicou-se em Denver, onde manteve ligação até o final da vida com a filarmônica local. Morreu em 1989.
O filme começa com Antonia trabalhando como lanterninha em uma sala de concertos, precisando procurar um local no prédio em que conseguisse ouvir a apresentação: a Sinfonia n.º 1 de Mahler, com regência do lendário maestro Wilhelm Mengelberg. Em seguida, trata das dificuldades para conseguir estudar piano, o preconceito e o assédio sexual de colegas, e os dilemas pessoais, desde a incompreensão da própria família até a tentativa de equilibrar sua vida afetiva e o foco necessário para construir uma carreira na música.
Peters conta ter tomado diversas liberdades com relação à história original de Antonia ao construir a narrativa do filme. “Ao narrar uma história, você precisa ter certeza de que tudo vai funcionar na tela. Esse processo levou muito tempo, mudei muito o roteiro, ouvindo muitas pessoas, o que foi bom. Mas para mim foi importante acima de tudo o contato com o primo de Antonia, que a conheceu muito bem. Ele me disse várias vezes: não há problemas em mexer em uma outra coisa, pois o importante é a essência do personagem. Ainda assim, a infância, o tempo em Berlim, a ajuda que recebeu de muitas pessoas, o começo no teatro de vaudeville, tudo isso de fato foi retratado de maneira bastante fiel.”
A diretora conta ter encontrado resistência no momento em que propôs a realização do filme, que chega nesta sexta-feira ao Brasil por meio de plataformas de streaming. “Foi muito estranho perceber isso. Porque era uma história praticamente inédita. E sobre uma mulher forte, com quem o público de hoje com certeza pode estabelecer uma relação especial. Mas era também um filme caro e, hoje em dia, conseguir dinheiro, seja para o que for, não é fácil.”
A trilha foi inspirada em compositores importantes para Antonia, como Mahler e Dvorák. “E usar uma sinfonia como a Novo Mundo tem também um simbolismo”, ela explica. Um novo mundo que ainda não se concretizou, ela diz, referindo-se ao fato de que as mulheres ainda são minoria no mundo da regência. “Acho que eu poderia ter contado essa história ainda nos dias de hoje. Mas as pessoas precisam de modelos. E Antonia foi um.”
O que a atraiu particularmente na história de Antonia Brico?
Assim que li pela primeira vez o roteiro, me dei conta de sua força, e de como ela é um exemplo pelo modo como superou todos os desafios que teve pela frente, que não foram poucos. E, claro, havia sua paixão, que a fez ir adiante em um mundo que não queria deixá-la fazer o que mais amava.
Como foi, na hora de interpretar Antonia, encontrar o equilíbrio entre a personagem real e a descrita pelo roteiro do filme?
Eu conheci Antonia por meio do roteiro. Foi só depois que assisti ao documentário sobre ela. Nele, ela aparece, mas já com 70 anos. Então o que busquei foi tentar imaginar aquilo que eu não conhecia, ou seja, como ela se tornou aquela mulher tão forte. E o roteiro me ajudou a criar uma leitura para a sua infância, para a juventude, o que significava ser uma mulher naquela época. A Antonia real me ofereceu muito, mas ao mesmo tempo tive liberdade para imaginá-la.
Você estudou música na infância. Em que medida essa experiência a ajudou no filme?
Eu frequentei o conservatório, onde estudei o violoncelo e também o canto, que já era uma paixão desde a infância. O piano eu não estudei formalmente, aprendi sozinha, mas tive que praticar muito para fazer as coisas direito no filme. Minha mãe e eu sempre fomos muito a concertos. Então estou acostumada a ver maestros em ação no palco e acho que isso me ajudou a criar os movimentos. Mas, ainda assim, a regência é algo tão mágico que eu precisei estudar muito até achar o ponto ideal, assistindo a muitos vídeos.
Como foi filmar uma história ambientada nos anos 1930 que continua bastante atual?
Não só na música como em outras áreas. Acho que avançamos bastante, mas temos um caminho amplo ainda pela frente. Estou certa de que contar histórias como a de Antonia Brico é algo que ajuda nesse processo, pois relembra jovens mulheres de que é possível seguir suas paixões e conquistar aquilo que desejam.
Ótimo filme! Mas a história no filme é diferente do relatado acima. Para começar ela era holandesa, não norte-americana. Viveu em Nova York, não na Califórnia. Foi roubada da mãe biológica, e por aí vai.. acho que quem escreveu não viu o filme.