|
|
O navio polar Almirante Maximiano, o Tio Max, é equipado exclusivamente para pesquisas no continente gelado
|
|
|
Reunião de oficiais sobre a melhor rota para evitar mau tempo
|
|
|
Travessia do Drake: ondas de até quatro metros e fortes ventos
|
Antártica — O navio polar Almirante Maximiano começa lentamente a deixar a Baía do Almirantado. Da escotilha do pequeno camarote, onde cabem três pessoas em reduzidas e apertadas treliches, as montanhas cobertas de gelo se distanciam. O céu ainda está claro, às 19h. A imponente Estação Antártica Comandante Ferraz (EACF) é apenas um ponto azul na imensidão branca e nublada. O cansaço beira à exaustão, devido às últimas noites de pouquíssimo sono. Na paisagem vista do pequeno camarote número 112, vê-se icebergs de diversos tamanhos flutuando ao gosto do vento e das correntes marítimas. Um desses gigantes passa rente à embarcação. Imagem impressionante.
A principal embarcação da Marinha brasileira destinada à pesquisa será a casa da reportagem do Correio por quatro dias. O confinamento, as restrições naturais da vida do mar e as longas travessias exigem que as pessoas exercitem ainda mais a tolerância e se respeitem entre si. Eis a regra fundamental do folheto de adaptação do navio para os “marinheiros” aprendizes, que ainda não sabem o que é atravessar a mítica passagem de Drake, conhecida como a região mais perigosa do planeta, que tirou inúmeras vidas desde que o homem se lançou às conquistas dos sete mares, no século 15.
O dia e o horário da volta ao continente sul-americano foram decididos depois de minuciosa e longa reunião entre o comandante do navio, o capitão de mar e guerra João Candido Marques Dias, e os oficiais. O comandante Phellipe é responsável por analisar as condições meteorológicas e oferecer informações para que o Almirante Maximiano, o Tio Max, como é conhecido pela tripulação, possa ter uma viagem segura. A partir de dados vindos de satélites, a equipe de oficiais traça, por meio de cartas náuticas atualizadas diariamente, o melhor trajeto para se chegar à cidade argentina de Ushuaia, distante 1.000 km, um trajeto em meio a um mar revolto e cheio de surpresas, muitas vezes fatais. Foi por meio dessas informações que ficamos sabendo de uma tempestade que se formaria na rota que o navio faria, por isso, a antecipação em dois dias da volta à América do Sul.
De volta para casa
O Almirante Maximiano, ou Tio Max, é uma grande e organizada família, a sobrevivência de cada um depende do outro, do passadiço à casa de máquinas. Morador do Núcleo Bandeirante, o sargento Giovanni mostra com orgulho à reportagem imagens da Antártica no celular. Tem muita história para contar quando se encontrar com os parentes e amigos. Está embarcado no Tio Max há dois anos e não esconde a saudade da netinha. “Esse tempo foi uma experiência muito grande, um aprendizado, vi coisas que não estava acostumado a ver, baleias, pinguins, a travessia do Drake (no ano passado, pegamos ondas de 8 metros)”, diz ansioso para rever a família e com o dever cumprido.
Depois de passar um mês e 10 dias na Estação Antártica Comandante Ferraz, na área de limpeza e manutenção da base, o segundo-sargento Marcelo também destaca o aprendizado. “Todos nós fazemos de tudo, para o bem-estar de todos. A Marinha me deu esse prêmio, em que poucas pessoas vão. A saudade dos familiares é grande, mas a Marinha é nosso dever, trabalhando em prol do Brasil”.
O Tio Max é um time muito entrosado, definido por rotinas diárias divulgadas no boletim da alvorada. Sempre precedido por um apito peculiar, ouvido nas caixas de som existentes em todas as cabines e camarotes, o boletim traz notícias de destaque no Brasil, os cardápios das refeições (tem até feijoada!), pensamento do dia e uma oração ou leitura bíblica. “Que Deus continue, iluminando a nossa proa!”
|
|
Sargento Giovanni: de volta ao Núcleo Bandeirante depois de dois anos no mar
|
|
|
Segundo-sargento Marcelo: "A Marinha me deu esse prêmio de ir à Antártica"
|
Mar perigoso
Na saída da Baía do Almirantado, todo equipamento, bagagens e utensílios são amarrados e protegidos para evitar qualquer acidente. A decisão do comandante do navio e capitão de mar e guerra, Candido Marques, em antecipar a viagem de volta evitou mais transtornos para a tripulação, deixando para trás fortes ventos e ondas de 8 metros, mas, mesmo assim, o Drake não é para marinheiro de primeira viagem. “Estamos agora no primeiro terço da nossa travessia do estreito de Drake, nos dirigindo à cidade de Ushuaia. O navio está terminando a quinta fase da Operantar 37”, acrescenta.
O balanço do navio aumenta no decorrer da viagem e, com ele, vêm os enjoos. Mal que acompanha a reportagem durante toda a jornada em alto-mar. Graças à medicação, as coisas não pioram, mas o mal-estar é constante. A dica de pensar que está balançando numa rede não funciona. É muito complicado.
“As condições climáticas estão pouco favoráveis, mas longe do que está previsto para chegar amanhã nessa região”, destaca o capitão-tenente Bruno Nunes. O enjoo continua. Repousando no camarote, percebo a dança do macacão Mustang preso num cabide, no ritmo do mar. O ranger dos poucos móveis é a trilha sonora. Mas a vista do passadiço é um remédio. A beleza do mar. O pôr do sol. A aventura. Tudo compensa.
À noite, no centro do Drake, as ondas batem na escotilha do camarote 112, no segundo andar do navio, que joga como uma pequena jangada no meio do mar revolto. Na praça d’armas, onde os oficiais e jornalistas se encontram para as refeições, um longo filme sobre a saga do aventureiro britânico Sir Ernest Shackleton e o navio Endurance, ajuda a passar o tempo durante a perna final do Drake. Em meio a enjoos e boas conversas, estamos chegando a Ushuaia.
A viagem de uma vida!
* O repórter viajou a convite da Marinha do Brasil
Para saber mais
Quem foi o almirante Maximiniano?
O almirante de esquadra Maximiano Eduardo da Silva Fonseca nasceu em São José das Taboas (RJ). Foi ministro da Marinha de 1979 a 1984. Dentre as realizações destacam-se a aquisição do navio de apoio oceanográfico Barão de Tefé (1982); participação da mulher nas Forças Armadas, com a criação do Corpo Feminino; implementação do Programa Nuclear da Marinha e investimento no projeto de construção de submarinos no Brasil.
Entrevista Amyr Klink
“Bastam 15 minutos para o paraíso virar um inferno”
O brasileiro Amyr Klink faz parte dos grandes navegadores modernos. Foi protagonista de aventuras que viraram livros. Em 1989, viajou rumo à Antártida em um pequeno veleiro especialmente construído para a expedição, o icônico Paratii. Ficou preso no mar gelado por sete meses na Baía de Dorian. A experiência o levou a planejar a circum-navegação da Terra pela rota mais curta e mais perigosa. Em 88 dias e 14 mil milhas náuticas (26 mil km), fez o trajeto iniciado e concluído na Ilha Geórgia do Sul.
A paixão pela Antártica o impeliu a fabricar o Paratii2 para uma nova circum-navegação da região polar, desta vez em latitudes sul ainda mais altas. Amyr e quatro tripulantes completariam a volta ao mundo em apenas 76 dias. Desde então, o navegador fez mais de 40 viagens ao continente mais gelado do planeta.
Qual foi seu primeiro sentimento ao se deparar com a imensidão da Antártica?
Tinha uma expectativa muito grande, porque meus pais foram para a Antártica nos anos 1970. Eu não pude ir, o que aumentou minha curiosidade. Fui descobrindo o continente através dos livros. Hoje, chegar lá com seus próprios meios, depois de tanto medo, tanta expectativa, é uma experiência muito especial. É difícil explicar.
Muitos viajantes a comparam com uma aventura à Lua...
Uma viagem à Lua é uma experiência muito mais complexa e organizada. Na Antártica, porém, você está num ambiente onde a imprevisibilidade do meio é total. Tem essa força. Dias maravilhosos em que bastam 15 minutos para o paraíso virar um inferno. Esse é um dos pontos negativos da localização da base brasileira na região, que fica muito sujeita a ações meteorológicas que passam pelo Estreito de Drake. A região da Baía do Almirantado é um lugar imenso. Fui mais de 40 vezes para a Antártica, dessas, oito vezes, para a Ilha Rei George e todas as vezes em que estive lá, foram momentos cabeludos (risos).
Nas viagens que você fez ao território gelado, você deve ter passado por situações difíceis.
Eu me especializei em navegação de alta latitude, tive o privilégio de fazer duas vezes (uma sozinho, outra com tripulação) o contorno da Antártica, por volta do paralelo 60, com barcos que fizemos no Brasil. Enfrentei ondas malucas e ventos fortes, mas, quando você tem tempestades muito violentas em alto-mar, você tem a “liberdade” da tempestade. Essa possibilidade de não se opor ao mau tempo dá uma espécie de segurança. Quando você está numa região próxima da terra, também sujeito a esse tipo de exposição meteorológica, aí você enfrenta problemas. A experiência mais dura que tive até hoje foi quando terminei a invernagem (ficar preso no mar congelado), e resolvi visitar a base brasileira. Foi um caos total. Começou a ventar muito, achei que era imprudente sair para o alto-mar, por causa do gelo, era fim do verão, a noite tomava conta do dia. Fiquei quase 40 horas lutando sozinho no barco, não dava para jogar âncora, eu não conseguia dormir.
Qual foi a saída?
Quando estava no limite da exaustão, um operador de rádio sugeriu que eu fosse para o alto-mar e ficasse à deriva. Em alto-mar, tinha ondas grandes, o barco mergulhava e subia, mas foi quando consegui descansar. Regulei a velinha de tempestade e deu tudo certo. Quando você está próximo da terra, é muito complicada a situação de vento forte. A Baía do Almirantado, onde está a estação brasileira, é um desses lugares. Na carta náutica, parece protegido, mas a altura das montanhas é monumental, as distâncias são enormes, há ventos catabáticos (que descem das montanhas). É uma região muito violenta.