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Nevascas são constantes no inverno antártico, quando as temperaturas caem para quase -20ºC
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Dezesseis militares da Marinha do Brasil estão isolados na região mais inóspita do planeta. O grupo passará todo o inverno antártico na nova Estação Comandante Ferraz (EACF). A missão é fazer testes de todos os equipamentos na obra que custou cerca de R$ 500 milhões. É uma joia na Antártica, destinada a pesquisas científicas das mais variadas.
As condições climáticas na região são desumanas, ventos que chegam a 200km/h e temperaturas entre -5ºC a -19ºC. São 19 horas de escuridão até outubro. O silêncio da Baía do Almirantado, onde está localizada a EACF, só é quebrando quando o avião Hércules C-130 da Força Área Brasileira faz sobrevoos rasantes para lançar alimentos perecíveis e equipamentos para a estação. Nesse período do ano, a operação se repete a cada dois meses e meio.
“Nosso grupo chegou à Antártica em novembro de 2018. Desde então, houve uma rotatividade de pesquisadores e recebemos um bom número de pessoas, porém, com a partida dos navios da Marinha do Brasil, no início de março de 2019, restou apenas o Grupo Base na estação”, destaca o primeiro-sargento Flávio Silva de Souza, encarregado de comunicações.
À reportagem do Correio, o militar adianta que o grupo permanecerá isolado até o início de novembro quando os navios Almirante Maximiano e Ary Rongel retornam — quando os icebergs e banquisas de gelo começam a derreter. “Nosso período de isolamento é de sete a oito meses. No entanto, não nos sentimos tão isolados, porque temos internet, o que nos permite ter contato com nossos familiares e ficarmos informados do que está acontecendo no Brasil e no mundo”, diz.
Por e-mail, o Correio entrou em contato com integrantes do Grupo Base, que falaram sobre a rotina no continente gelado, a saudade da família e a preparação psicológica para enfrentar todo esse tempo na Antártica.
Entrevista
Flávio Silva de Souza, primeiro-sargento,
encarregado de comunicações
Como está a condição meteorológica na Baía do Almirantado, onde fica a nova Estação Antártica Comandante Ferraz?
Nós estamos no inverno antártico, que dura de março a outubro, com dias mais curtos e a noite começando às 16h e indo até 9h30. Está extremamente frio, enfrentamos temperaturas baixas que vão de -5ºC a -19ºC. Os ventos, chamados catabáticos, são intensos e fortes nevadas são comuns. Mas participamos de treinamentos específicos para conseguir suportar as condições extremas na Antártica.
É o primeiro inverno da estação depois de praticamente concluída. Quais testes que estão sendo feitos na EACF?
A nova estação está toda construída e pronta para inaugurar, faltando somente a conclusão de alguns testes de aceitação dos equipamentos instalados. Durante o período de “comissionamento”, todos os sistemas e equipamentos estão sendo testados ao seu limite de operação, de forma a assegurar a confiabilidade e o correto funcionamento. Encerrado o comissionamento, a estação estará pronta para receber os primeiros pesquisadores, iniciando uma nova etapa do Programa Antártico Brasileiro na mais moderna estação em operação na Antártica.
Como é a rotina do Grupo Base?
A estação é como uma organização militar de qualquer lugar do Brasil, tendo horários a serem cumpridos. Cada militar desempenha funções específicas, cumprindo horários no trabalho e tendo, também, um tempo livre. O funcionamento da estação é praticamente mantido por quatro geradores de energia, sendo colocado um por vez. Aqui, nos preocupamos em não desperdiçar energia, desligando as luzes, equipamentos e os aquecedores nos ambientes não vitais, pois temos que economizar combustível para alimentação dos geradores. A nova estação foi estruturada para oferecer mais conforto e segurança a todos.
A maior parte da tecnologia é brasileira?
Um importante aspecto a se destacar é que a experiência brasileira permitiu enfatizar as condições de conforto (térmico, lumínico, acústico e psicológico) sendo, inclusive, realizados estudos empregando softwares e simuladores como ferramenta auxiliar nas decisões dos projetos e na verificação da sua eficiência. Nessa mesma linha, as técnicas adotadas para a gestão de água e esgoto foram estabelecidas a partir de estudos e experimentos anteriores realizados na EACF, sendo proposto um sistema de reaproveitamento de águas servidas (águas cinzas) e o tratamento dos efluentes finais por meio da técnica de radiação UV.
Como é feito o monitoramento da estação pelo comando da Marinha no Brasil?
Por câmeras on-line e informações trocadas entre a Secretaria do Programa Antártico e o chefe da estação por telefone e e-mail. Em relação à segurança, destaca-se que a EACF é dotada de um sistema de controle de avarias e alarme de incêndio moderno, que possibilita o monitoramento contínuo das condições de segurança de todos os seus compartimentos, além de estar coberta por sistemas fixos de combate a incêndio do tipo sprinkler (chuveiro automático) e por gás Novec (utilizado nos setores vitais da estação). Todos os ambientes são separados por portas corta-fogo e são revestidos por paredes com materiais especiais resistentes a chamas. A estação conta também com sistemas básicos de combate a incêndio empregando mangueiras e/ou extintores portáteis, distribuídos estrategicamente pelos compartimentos.