Durante o coma teve sonhos constantes, repetidos, que ficaram gravados no inconsciente: eram dois enormes pássaros brancos revoando em círculo por sobre ele, em certo momento se transformavam em duas mulheres aladas, seminuas, com véus soltos envolvendo um corpo sensual. Voavam e se encostavam ao doente provocando agradável excitação. As visitas percebiam os efeitos desse sonho erótico sob o lençol do comatoso.
Dioclécio teve alta com rigorosa dieta, menos trabalho e evitar preocupação. Ele não abriu mão de visitar sua fazenda predileta em Penedo, à margem do Velho Chico. Era o prazer de sua vida.
Mês passado ele foi a Penedo dirigindo sozinho seu belo carro. Ao passar pela ponte por cima das águas verdes e cristalinas da Lagoa Mundaú, percebeu que duas jovens, uma morena, outra alourada, vestidas com shorts jeans, mochilas nas costas, pediam carona.
Ficou admirado com ele próprio quando freou o carro. As moças foram se chegando e perguntaram para onde ele ia e se podia dar carona.
– “Para Penedo, e vocês? Por acaso são assaltantes?”
As meninas entrando no carro sorriram:
– “E o senhor, por acaso é estuprador? Estamos também indo para Penedo!”
Dioclécio teve uma empatia instantânea com as jovens. Sorria e divertia-se com as conversas.
Na estrada de repente, um susto: um caminhão desgovernado vindo em sentido contrário passou rente ao carro, depois de atravessar o acostamento capotou em uma barreira. Ele parou o carro, respirou fundo, pelo susto, quase que o caminhão bate na frente. Foi socorrer o motorista. Não precisou, ele saiu da cabine, ileso, com um forte cheiro de cachaça. O cara estava bêbado.
Dioclécio prosseguiu a viajem, de repente encarou as jovens pelo espelho retrovisor. Elas comentaram, se ele não tivesse parado naquele momento da carona o carro teria sido esmagado pelo caminhão. As jovens salvaram Dioclécio de um grave acidente que iria acontecer.
Walquíria e Gabriela eram divertidas cantavam e contavam histórias. Na praia do Miaí, Deoclécio tirou o carro do asfalto, entrou na extensa praia de areia dura que serviu de estrada até a entrada para Penedo.
-“É a estrada mais bonita do mundo”, dizia. “De num lado um exuberante verde coqueiral e do outro o mar azul-esverdeado.” Nesse dia o céu estava limpo, azul. Parou para tirar fotos em um navio afundado à beira-mar. Elas pediram a um jangadeiro para fotografá-los imitando os personagens do filme Titanic. Dioclécio em pé na proa entre as duas jovens como recheio de um sanduíche, os três de braços abertos encostavam-se. Ele ficou excitado e veio-lhe a imagem do seu sonho no coma: os pássaros brancos.
Hospedaram-se no Hotel S. Francisco. Marcaram encontro à noite, foram jantar na Rocheira. Comeram jacaré, tomaram cerveja e uma boa cachacinha apreciando a bucólica paisagem noturna do Velho Chico refletindo as luzes da barroca, bela e velha Penedo.
No final da noitada retornaram hotel, andando e cantando pelas ruas estreitas da cidade. Ao chegar, dormiram no mesmo apartamento, fizeram amor, se amaram, amor a três, “ménage a trois”. Nos mais intensos momentos de prazer afloravam-lhe as imagens do sonho: duas mulheres aladas e nuas. Dormiu feliz entre as jovens e sonhou com os pássaros alados.
Ao acordar, as moças não estavam na cama. Na portaria lhe informaram que elas seguiram sem destino. Deixaram um bilhete: “Querido, cuide-se, ame a vida que é o maior bem de um ser humano. Beijos Walkíria e Gabriela.”
Dioclécio era um descrente das coisas do além. Hoje é convicto que aquelas jovens, eram anjos, walquírias nômades, andarilhas. Não foi por acaso que a carona aos anjos evitou sua morte embaixo do caminhão desgovernado.
Hoje Dioclécio olha o mundo com outra escala de valores. Deixou de ser unha de fome, ajuda aos menos favorecidos. Tornou-se um ser humano generoso.
Recentemente recebeu, via correio, um envelope pardo sem nome do remetente, selo carimbado de Campina Grande. Continha uma fotografia tirada no navio.
Dioclécio de braços abertos, sozinho, as duas jovens não aparecem na foto. Deu-lhe um arrepio no corpo, emocionou-se e chorou.