THUCYDIDES BARBOSA, O CONSOLIDADOR
Raimundo Floriano
Coronel Thucydides Barbosa
Balsas foi notável potência jornalística na primeira metade do século passado. A Evolução e O Lábaro constituíram-se em célebres marcos daquele tempo, mas deles não restou sequer um exemplar. Recentemente, havia O Fazendeiro, no qual andei publicando alguns escritos. Hoje, tenho notícias da Folha do Cerrado e de vários periódicos on-line. O mais constante de todos foi e é o Jornal de Balsas, que nasce, morre e renasce, teimando em continuar sua trilha cultural. Mais adiante, falarei de sua criação.
Houve por lá um jornal denominado O Repórter, do qual tive notícia por um letreiro na parede de bela casa à Rua Isaac Martins, 160. Essa rua era também conhecida como Rua do Fio, Rua Grande, Rua do Areão e, onde começa, Azeite de Coco.
A mencionada casa pertencia, quando me chamou a atenção, ainda em minha infância, a Seu Mundico Pedreiro, pai de meu falecido amigo Luizão. Tinha eira e beira brancas e, logo no início da parede alaranjada, lia-se esta inscrição em alto-relevo com letras brancas de, aproximadamente, 15 centímetros de altura: TLIM! TLIM! TLIM! OLÁ! QUEM FALA? A REDAÇÃO DO REPÓRTER, QUE QUERES? PROGRESSO! EIS AÍ UM PROGRESSISTA, AO LADO DE NOSSA QUERIDA PÁTRIA E DIGNOS BALSENSES!
Essa inscrição foi aos poucos se corrompendo pelo desgaste do tempo, até que se esvaecesse por completo. No início de 1960, tive o cuidado de anotá-la e também de guardá-la de cor, sem saber que, um dia, ela me seria de grande utilidade, como agora, ao redigir este episódio.
A conclusão a que chego hoje sobre o mistério ali contido é a que passo a expor. Deduzo que naquele casarão funcionava a redação do jornal O Repórter, onde o Redator atendeu a uma chamada telefônica:
– Tlim! Tlim! Tlim! – toca o telefone.
– Olá! – atende o Redator.
– Quem fala? – pergunta o Interlocutor.
– A Redação d’O Repórter, que queres? – responde o Redator.
– Progresso! – informa o Interlocutor.
Por fim, o Redator proclama:
– Eis aí um progressista, ao lado de nossa querida Pátria e dignos Balsenses!
O Jornal de Balsas foi o de mais longa vida. A página a seguir, da Edição nº 76, de 16.3.1938, foi-me gentilmente disponibilizada pela Professora e escritora Edilza Virgínia, duma coleção que lhe foi presenteada pelo Doutor Eloy Coelho Netto, poeta, historiador e o maior escritor balsense.
Jornal de Balsas, Nº 76, de 16.03.1938
Sua existência se deve ao arrojo do Coronel Thucydides Barbosa, valoroso empreendedor sul-maranhense. Antes de continuar minha narrativa, deixem-me falar um pouco sobre esse grande realizador.
Pertenceu ele à Guarda Nacional, e o tratamento de Coronel não lhe é uma simples deferência. O Diário Oficial da União, de 22 de julho de 1911, estampa sua nomeação para Tenente-Coronel Comandante do 188º Batalhão de Infantaria da Comarca de Loreto (MA).
Filho do Tenente-Coronel da Guarda Nacional José Barbosa, e de Dona Maria Pires Ferreira, Thucydides Barbosa nasceu em Loreto, a 8 de julho de 1885, e faleceu em São Luís, Capital do Estado do Maranhão, a 5 de novembro de 1954.
Foi comerciante, advogado provisionado em Balsas, Coletor de Rendas do Estado, Diretor do Tesouro, o equivalente, hoje, a Secretário Estadual da Fazenda, Deputado Estadual, de 1913 a 1924, e Prefeito de Balsas, de 1925 a 1927.
Sua atuação parlamentar se fez marcante pela apresentação do projeto que elevou a Vila de Santo Antônio de Balsas à condição de Município, convertido na Lei nº 775, de 22 de março de 1918. Desse modo, o Coronel Thucydides, consolidando-a, dava à terra que tanto amava os foros de cidade autônoma, condizente com sua prosperidade econômica, política e cultural que naquele momento alcançava.
Nesse mesmo ano de 1918, foi fundada a primeira agremiação desportiva de Balsas, estando ele à frente, presidindo-a por muitos anos. A Associação Esportiva Balsense teve a primeira Diretoria composta por Thucydides Barbosa, Presidente, Mário Coelho, Vice-Presidente, Ascendino Pinto, Secretário, e José de Carvalho Borba, Tesoureiro.
Em 1919, outro importante projeto de iniciativa do Coronel Thucydides beneficiou a população balsense. Tratava-se da lei que estabeleceu e instalou a linha telegráfica até São Luís, propiciando uma comunicação mais rápida e, com isso, um maior desenvolvimento de Balsas.
Em 1925, o Coronel Thucydides foi eleito Prefeito de Balsas, com votação esmagadora, fazendo uma administração competente e atuante, alargando ruas, delimitando praças e construindo escolas primárias e as duas principais rampas no Rio Balsas, que serviriam de ancoradouro para vapores, lanchas e outros tipos de embarcação.
No decorrer desse seu mandato, passou por Balsas, em novembro de 1925, a temida Coluna Prestes, cujos membros eram conhecidos nos sertões como “os revoltosos”. Enquanto o General Juarez Távora – na época, Tenente desertor do Exército Brasileiro – permaneceu em Riachão, hospedado na casa do Coronel Felipe José dos Santos, o restante da tropa, sob o comando dos Coronéis Siqueira Campos, Luís Carlos Prestes, João Alberto e Cordeiro de Farias, dirigiu-se a Balsas, onde o Prefeito Thucydides, diplomaticamente, a recepcionou. A Prefeitura transformou-se em Quartel-General da Coluna, que permaneceu na cidade de 22 a 27 daquele mês, sem causar qualquer tipo de perturbação à ordem pública.
No início da década de 1930, o Coronel Thucydides, com seu gosto pela modernidade e pelas comunicações, instalou a primeira linha telefônica da cidade, que interligava sua residência ao depósito de couro de gado, de sua propriedade. Esse depósito servia para armazenar o couro que seria, depois de beneficiado, exportado para os Estados do Piauí e Ceará. Mais tarde, o Coronel instalou outra linha, que ligava a já existente à Prefeitura e à Coletoria.
Em fins de 1931, novamente sua veia comunicativa e intelectual falava mais alto. Junto a vários colaboradores, dentre eles seus irmãos Antônio e Sadoc, e outros amigos, o Coronel Thucydides organizou e fundou a Empresa Tipográfica de Balsas. Em 27 de janeiro de 1932, começou a circular o primeiro número do Jornal de Balsas. A aceitação foi excelente em todo o sertão sul-maranhense e até mesmo em São Luís e outras regiões do Estado. Além das notícias locais, o Jornal de Balsas mantinha vasto e minucioso serviço telegráfico com São Luís e o Rio de Janeiro, então Capital Federal, o que contribuiu para que fosse muito bem recebido por todos. Thucydides foi seu diretor e proprietário até o ano de 1935. Em 1936, o Jornal de Balsas passou à direção do Padre Cincinato Ribeiro Rego; pouco depois, em 1938, à do Padre Clóvis Vidigal, sendo editado até 1940, período em que, apesar de não estar mais à frente da direção do periódico, o Coronel continuou atuando como colaborador.
Em fins da década de 30, o Coronel Thucydides, intelectual atuante, foi eleito membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão e primeiro ocupante da Cadeira 25, patroneada pelo jurista maranhense Domingos de Castro Perdigão. Historiador, autodidata e arguto pesquisador, ele escreveu muitas obras, algumas editadas, mas perdidas, outras inéditas, razão por que não chegaram ao conhecimento do público. Dentre os livros e artigos publicados, destacam-se: Subsídios para a História de Balsas, A Hecatombe de Alto Alegre, Um Crime Provocado, Nome sem Significação, Biografia de Isaac Martins dos Reis, Subsídios para a História do Maranhão, As Boiadas Sertanejas, Cidades Desconhecidas e Dados Genealógicos.
Thucydides casou-se a 30 de julho de 1907, em Loreto, com a balsense Maria Rodrigues Botelho, filha do Coronel Braulino Antônio Botelho e de Dona Severiana Rodrigues Botelho. Dessa união, nasceram-lhes nove filhos: Alzira, José Barbosa Neto, Jacyra, Heloísa, Braulino, Antônia, Myrthes, Stella e Carlos Alberto. Legou ele aos filhos e demais descendentes, aos seus amigos e a todos que o conheceram a figura de um homem probo e inteligente que muito amava Balsas e o Maranhão e que sempre pensava no desenvolvimento e na magnitude de sua terra e de sua gente.
(Os dados biográficos aqui constantes foram pesquisados pelo então Seminarista João Pecegueiro, meu primo pela enésima geração, hoje Padre, não só da Igreja Católica Apostólica Romana, ordenado em 2013, como da Igreja Sertaneja, fazendo parte do Clero diretamente ligado a meu
Cardinalato.)
Para terminar este fragmento biográfico, não poderia eu deixar de aqui registrar um acontecimento jocoso, não tanto merecedor da seriedade com que até agora me portei, mas que é verídico, permanece na memória das gerações balsenses mais antigas, faz parte de seu anedotário, e não pode, por conseguinte, ser esquecido. Ad perpetuam rei memoriam!
Corria o ano de 1939. A 1º de setembro daquele ano, as Forças Armadas Alemãs deram início à invasão da Polônia, também conhecida como Operação Fall Weiss, marcando o deflagrar da Segunda Guerra Mundial. Nessa época, o Jornal de Balsas tinha como correspondente, sem remuneração, em São Luís, o Jornalista J. Pires, dono do jornal O Imparcial.
Ao saber da invasão, o Redator do Jornal de Balsas enviou um telegrama a J. Pires, para ser publicado em O Imparcial, com violento manifesto dirigido a Hitler, no qual o admoestava por sua inobservância aos princípios de não intervenção e autodeterminação dos povos.
O momento era de muito suspense no mundo inteiro, e as mensagens importantes eram todas codificadas, para não serem interceptadas pelos alemães. Os códigos mais usados em Balsas eram o Ribeiro, o Mascote e o Particular. O Redator consultou as respectivas chaves, mas nenhuma conseguiu esclarecer o enigma. Certo poliglota, funcionário da Redação, opinou que a palavra devia ser francesa, pois continha dois acentos, tal como révèillon, mas o Dicionário de Francês deixou a todos na mesma. A solução foi o Redator sair pelas ruas solicitando ajuda aos intelectuais da cidade, tudo em vão. Até que um deles teve a feliz ideia de aconselhar ao Redator que submetesse a mensagem ao exame de Seu Rosa Ribeiro, meu saudoso pai, Tabelião do 2º Ofício, Cruciverbista intitulado, Parafrasta juramentado, matador de charadas e exímio Decifrador de Cartas Enigmáticas. Assim o fez a comitiva.
Encontraram-no na loja do meu Tio Cazuza Ribeiro, seu irmão, onde, vez em quando, ele dava uma colaboração. Seu Rosa pegou o telegrama, examinou atentamente o conteúdo, colocou-o aberto em cima do balcão, foi até a prateleira da loja, apanhou um espelhinho desses de bolso, posicionou-o no final da palavra e conclamou a todos:
– Agora, leiam o que está escrito no espelho!
Foi constrangimento total para o Redator e os intelectuais circunstantes. No espelho, lia-se, simplesmente, mas com todas as letras, essa debochada imprecação: VÁ À MERDA.
Texto publicado em meu livro Memorial Balsense, centrado na cidade de Balsas, nos homens que fizeram a grandeza de sua história e nos fatos marcantes de minha infância, feliz, cheia de peripécias e arriscosa, como a de todo menino sertanejo de meu tempo.
Em outro livro meu, De Balsas Para o Mundo, conto a História da Navegação Fluvial Balsas – Oceano Atlântico, que foi intensa, a partir de 1911, com a chegada do primeiro vapor ao Porto das Caraíbas, até o início dos anos 1960, quando o transporte rodoviário e a construção da Barragem de Boa Esperança sem eclusas, a tornou inviável, com fotos e desenhos de suas principais embarcações e perfis dos homens que fizeram isso acontecer.
Esses dois livros se encontram disponíveis, em Balsas, com a Socorro da Liana, à Rua 11 de Julho, 200, Centro.
MÚSICAS TENDO BALSAS COMO TEMA
Balsas Querida, marcha-rancho, de Augusto Braúna, com Deusamar Santos:
Balsas, Cidade Sorriso, samba, de Martinho Mendes e viajante desconhecido, com Felipe Rodrigues:
Hino de Balsas, de Edilza Virgínia Pereira, com o Coral do Colégio São Pio X:
CENTENÁRIO DE BALSAS - 221 IMAGENS
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