ANGELUS
Cruz e Sousa
Ah! lilazes de Ângelus harmoniosos,
Neblinas vesperais, crepusculares,
Guslas gementes, bandolins saudosos,
Plangências magoadíssimas dos ares...
Serenidades etereais d'incensos,
De salmos evangélicos, sagrados,
Saltérios, harpas dos Azuis imensos,
Névoas de céus espiritualizados.
Ângelus fluidos, de luar dormente,
Diafaneidades e melancolias...
Silêncio vago, bíblico, pungente
De todas as profundas liturgias.
É nas horas dos Ângelus, nas horas
Do claro-escuro emocional aéreo,
Que surges, Flor do Sol, entre as sonoras
Ondulações e brumas do Mistério.
Surges, talvez, do fundo de umas eras
De doloroso e turvo labirinto,
Quando se esgota o vinho das Quimeras
E os venenos românticos do absinto.
Apareces por sonhos neblinantes
Com requintes de graça e nervosismos,
Fulgores flavos de festins flamantes,
Como a Estrela Polar dos Simbolismos.
Num enlevo supremo eu sinto, absorto,
Os teus maravilhosos e esquisitos
Tons siderais de um astro rubro e morto,
Apagado nos brilhos infinitos.
O teu perfil todo o meu ser esmalta
Numa auréola imortal de formosuras
E parece que rútilo ressalta
De góticos missais de iluminuras.
Ressalta com a dolência das Imagens,
Sem a forma vital, a forma viva,
Com os segredos da Lua nas paisagens
E a mesma palidez meditativa.
Nos êxtases dos místicos os braços
Abro, tentado de carnal beleza...
E cuido ver, na bruma dos espaços,
De mãos postas, a orar, Santa Teresa!...