05 de novembro de 2020 | 05h00
Andréa Beltrão esteve recentemente no ar, na Globo, com a minissérie Hebe – inspirada no filme – e também com Tapas & Beijos, em que formou aquela dupla com Fernanda Torres. Fátima & Sueli, Sueli & Fátima. “Adorei rever. Toda terça eu me sentava bem aplicada para ver aquelas duas. E também não perdia a Hebe”, confessa. Por Hebe – A Estrela do Brasil –, Andréa foi indicada para o Emmy Internacional de melhor atriz, que deve ocorrer neste mês, dia 23, de forma remota, em Nova York. Andréa gravou um vídeo de uma hora e meia que está sendo editado para ser apresentado no show de premiação. Não tem muita expectativa de ganhar.
“Imagina, estou concorrendo com a Glenda Jackson. Só isso já é o máximo. Sempre fui a maior admiradora dela. Estava no exterior, e a Glenda fazia no teatro o Rei Lear. Ingressos esgotados. Fiz de tudo para conseguir ver. Rei Lear! Que coisa mais maravilhosa.” O fato de destacar a grande Glenda, duas vezes vencedora do Oscar – por Mulheres Apaixonadas, de Ken Russell, e Um Toque de Classe, de Melvin Frank, em 1970 e 73 –, não significa que Andréa subestime as outras duas concorrentes, a alemã Emma Bading e a malasiana Yeo Yann Yann. “Devem ser muito boas, também.” A própria Andréa, encerrada a pandemia, deve voltar ao teatro com Antígona, outra personagem clássica. E, nesta quinta, estreia nos cinemas de São Paulo e Rio com Verlust. O longa de Esmir Filho teve estreia presencial na Mostra, no Drive-in Belas Artes. Daqui a duas semanas, chegará ao streaming. Andréa divide a cena com Marina Lima, também autora da trilha, e com o chileno Alfredo Castro, Ismael Caneppele e Fernanda Pavanelli.
“Sempre tive a maior admiração pelo Esmir, desde que vi Os Famosos e Os Duendes da Morte. A maneira como ele filma a juventude com suas necessidades vitais, em ambientes fechados, reprimidos. Achava que seria muito interessante trabalhar com ele. Queria isso. Um dia ele me chama. Me convida para almoçar e me apresenta o projeto. Aceitei sem nem ler o roteiro.” Teatro, cinema e TV. Nesta segunda, 2, Andréa voltou aos estúdios da Globo para iniciar a gravação da novela das 9 que substituirá Amor de Mãe, a próxima depois da reprise de A Força do Querer. Um Lugar ao Sol tem texto de Lícia Manzo. “Ela estreia na faixa das 9 depois de fazer sucesso no horário das 6 e das 7. Um Lugar ao Sol também marcará a volta do Maurício à direção de novelas.” Andréa refere-se ao marido, Maurício Farias, parceiro na arte e na vida. Com ele fez Hebe, Tapas & Beijos e muito mais. Comenta: “Estou muito animada, mas vai ser uma loucura gravar a novela com os atuais protocolos de segurança. Máscara para tudo, álcool em gel e, para ter cena de beijo, a gente terá de fazer testes rigorosos para ver se não está com covid.”
Verlust foi gravado no Uruguai. “Uma praia linda, e aquelas casas sensacionais.” A praia chama-se José Ignácio, distante uns 40 minutos da mais badalada Punta Del Este. Possui o farol de mesmo nome. A sinopse que se encontra no catálogo da Mostra – em 2020, membros da elite intelectual do Brasil decidem se mudar para uma praia distante. Como símbolo da estrutura degenerativa, política e social do País, uma gigantesca criatura marinha chega à praia e se transforma em catalisadora de conflitos.
Quem vê o filme, aqueles personagens isolados, o clima de insatisfação e degradação, tudo leva a crer que se trata mesmo de 2020, mas Verlust foi filmado em 2018. É o nosso olhar de espectadores, neste momento que estamos vivendo, que faz do filme um reflexo do estado do mundo ou a arte antecipou a realidade? Andréa reflete. “A gente ouve sempre que a arte pode ser um farol e o artista tem uma intuição do que poderá vir a ser. Eu mesma experimentei isso recentemente, com três trabalhos.”
Quando se uniu a Amir Haddad para fazer Antígona, o grande diretor a questionava sobre sua motivação mais íntima. “Dizia que eu tinha de descobrir por que queria tanto fazer o texto clássico, e insistia que, se eu não chegasse lá, seria apenas mais uma peça em minha vida. Foi muito mais que isso.” Na peça de Sófocles, Antígona confronta o poder para enterrar o irmão. O questionamento da lei e da (des)ordem do Estado tornou o texto atualíssimo. Parecia que a gente estava fazendo teatro político, mandando mensagem.”
O caso de Hebe também foi especial. “A Carolina Kotscho escreveu o roteiro, o Maurício ia dirigir e ela me via como a Hebe. Eu dizia que não, que havia muitas atrizes que eram inclusive parecidas com ela. Por que eu? Comecei a ler tudo sobre a Hebe, a ver suas entrevistas. Inicialmente, a imitava, e não estava gostando. O Maurício me dizia para ter calma, me incentivava a buscar a ‘minha’ Hebe. E aí um dia ela veio, tive o meu click. Por que a Hebe? Porque ela era uma mulher de direita, mas não aceitava que a censura e os militares dissessem quem ela podia entrevistar no seu sofá. Hebe era pela diversidade. Quando finalmente fizemos filme não sabíamos que a situação ia se reproduzir neste país que ficou tão conservador e discricionário.”
Da mesma forma, o Esmir. “Gostei muito do filme, quando o vi. Acho que tem tudo a ver com o que estamos vivendo. O Esmir foi visionário? Foi, e eu me sinto muito honrada de estar no filme dele.” Andréa de todas as mídias. Tapas & Beijos? “Era muito bem escrita e realizada, com um timing de comédia muito bom. Naquela equipe todo mundo estava ajustado no mesmo ritmo, pegando junto. Revi tendo o maior prazer. Não envelheceu nada. Na rua, nas redes sociais, Sueli e Fátima continuam sendo personagens com quem as mulheres podem se identificar.”
Antígona? “Ainda tenho de fazer a peça por mais um tempo, mas está difícil recomeçar as atividades do Teatro Poeira (no Rio). É um teatro pequeno, e com os protocolos de segurança e o distanciamento, abriga pouca gente. Marieta (Severo) e eu já providenciamos toda a segurança, mas com público reduzido não paga nem as despesas. Enquanto não resolvemos isso eu fico buscando novos projetos. Tenho lido muito, escrito. O que fazer na pós-pandemia? A vida está difícil para todo mundo, mas ainda está mais difícil para quem já sofre com a desigualdade social. A gente liga a TV no noticiário e é esse descaso com a vida das pessoas, com a natureza. Não é um problema só do Brasil, é planetário. A arte nos ajuda nesses momentos. Só espero não perder a fé de que um dia tudo dará certo.”
Cenário
Não apenas as casas ultramodernas, mas a paisagem também é personagem. A praia, o mar. É muito provável que José Ignacio passe a integrar a lista de seus destinos sonhados para viagens quando a pandemia acabar.
Trilha
Marina Lima também participa do filme como atriz. Esmir Filho confirma o que as músicas e documentários já antecipavam – Marina tem temperamento de atriz. Canta como quem atua – atua como quem canta?
Ator
Alfredo Castro, que faz o fotógrafo Constantin, é um dos mais conhecidos atores chilenos de teatro e cinema, presente em praticamente todos os filmes do diretor Pablo Larraín – Fuga, Tony Manero, No, O Clube, Neruda.