Quem costuma assistir à previsão do tempo em alguns dos principais telejornais brasileiros já percebeu: o mapa do Brasil ficou diferente. Ao longo da costa brasileira, a faixa de mar pertencente ao país não mais se limita às históricas 200 milhas (360km), que ainda constam de alguns desatualizados livros didáticos. Em certos trechos, como no entorno do arquipélago São Pedro e São Paulo — a mil quilômetros de distância de Natal —, o limite da área marítima sob responsabilidade do país já chega mais perto da África do que do próprio litoral brasileiro.
A metáfora Amazônia Azul é a inversão de outra, "oceano verde", como a Floresta Amazônica é, eventualmente, definida. Em 2004, o governo submeteu às Nações Unidas a primeira proposta de ampliação do território marítimo brasileiro, fundamentada em pesquisas capitaneadas pela Marinha. À época, o então comandante da Força, almirante de esquadra Roberto de Guimarães Carvalho, publicou um artigo em que incorporou, pela primeira vez, o termo Amazônia Azul.
Passados 20 anos, os limites ampliados do mar sob responsabilidade do país ainda estão sob análise da Comissão de Limites da Plataforma Continental da ONU, assim como o pleito de mais de 160 países. A demanda brasileira dividiu a Amazônia Azul em três regiões. A Sul, apresentada em 2015 à comissão, já tem parecer favorável. A região da Margem Equatorial, onde foram descobertos grandes depósitos de petróleo, a cerca de 500km da foz do Rio Amazonas, foi levada à comissão em 2017 e deve ter seu processo concluído em 2025. A terceira é a Margem Leste, formalmente apresentada em 2018, cuja análise deve ser iniciada no ano que vem.
Estamos falando de uma área que corresponde a dois terços do território continental, ou 5,7 milhões de km². Essa extensa faixa marítima, que poderia com facilidade abrigar todos os países da Europa Ocidental dentro de seus limites, já consta da última revisão do Atlas do instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Pesquisas feitas ao longo destas duas últimas décadas mostraram que esse espaço marítimo abriga uma enorme biodiversidade, com mais de 1,3 mil espécies de peixes, crustáceos e moluscos, além de mais de 120 espécies de corais. Isso sem falar nos grandes mamíferos marinhos (como baleias e golfinhos), aves e quelônios (tartarugas).
O 1º Diagnóstico Brasileiro Marinho-Costeiro sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos mostrou que, em 2025, a economia do mar movimentou cerca de R$ 1,1 trilhão, ou 20% do Produto Interno Bruto da época. De lá para cá, nada menos do que 95% do petróleo do país é extraído da plataforma marítima, assim como metade da proteína consumida pelos brasileiros vem do mar. Até mesmo a internet precisa do mar: 98% dos dados que circulam na grande rede mundial chegam ao Brasil via cabos submarinos, e não, por satélites.
Para os militares, a incorporação de uma área tão extensa ao território brasileiro ampliou de forma exponencial a necessidade de recursos materiais e humanos para dar conta de fiscalizar e manter pesquisas na Amazônia Azul.
Não foram poucas as vezes em que os militares precisaram ser acionados para interceptar embarcações não autorizadas a navegar pelos mares brasileiros. Em abril do ano passado, por exemplo, a Marinha "precisou dissuadir um navio alemão que pesquisava, sem autorização, em águas brasileiras, em um local apontado como rico em cobalto, níquel, platina, manganês e terras-raras. Após o envio de uma fragata para a Elevação de Rio Grande (que compõe a Amazônia Azul), a embarcação europeia se retirou, segundo informou a Armada, em nota.
Em agosto de 2019, manchas de óleo de origem desconhecida emporcalharam centenas de praias do litoral nordestino, em um tipo de ocorrência nunca visto antes. Investigações da Marinha e da Polícia Federal apontaram um navio de bandeira grega como responsável pelo crime ambiental. A embarcação navegou por águas internacionais com equipamento de localização desligado.
Por causa de incidentes como esses — e pelas riquezas que o mar guarda, principalmente minerais —, a Marinha faz um forte lobby por mais recursos à proteção e à pesquisa da Amazônia Azul. Em abril deste ano, na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara, o atual comandante da Armada, almirante Sampaio Olsen, listou várias ameaças à soberania brasileira no mar, que incluem monitoramento ilegal dos cabos submarinos e pesquisas de recursos minerais e de pesca por embarcações estrangeiras sem autorização do governo brasileiro. "São novos conceitos de ameaças", disse Olsen aos deputados e ao ministro da Defesa, José Mucio Monteiro, que também participou da audiência.
"Eu ouço falar muito que o Brasil é um país pacífico, com fronteiras plenamente estabelecidas. Isso não é verdade", alertou Olsen, antes de mostrar aos parlamentares gráficos que indicam que a Armada operou, neste ano, com combustível e munição abaixo do limite mínimo necessário. "A Marinha tem adotado uma redução de efetivo (quadro de pessoal) de maneira a tornar o Orçamento mais eficiente", explicou o comandante.
Em tempos de ajuste fiscal para fechar as contas de 2024, a equipe econômica do governo já se reuniu com os comandantes das Forças Armadas e com o ministro da Defesa para definir cortes no orçamento militar. A decisão sobre o tamanho do ajuste ainda não saiu, mas pode afetar projetos considerados prioritários pela Marinha para ampliar a segurança no mar territorial brasileiro, como o programa de submarinos, que inclui uma unidade movida a energia nuclear.