ALICE
Arthur Azevedo
(Grafia original)
I
Num precipicio sentada,
Vi-te um dia descuidada,
Tranquillamente a seis mar;
Molhavam-te os pés mimosos,
Descalços e melindrosos,
Pérfidas aguas do mar.
Inda eras muito criança;
Eras a meiga esperança
De uma formosa mulher;
Deslisavam-se os teus dias
Sob um céo de louçanias,
Sem uma nuvem sequer.
Em que pensavas, Alice?
Talvez numa gulodice...
Numa boneca, talvez...
Num anjo que viste em sonhos
E tinha uns olhos risonhos,
E mil carinhos te fez...
Eu que tinha mais juizo,
Que era um sujeito de sizo,
Muito mais velho que tu,
Ao precipicio arranquei-te,
Onde por mero deleite
Punhas o pézinho nú.
II
Já se passaram doze annos
E outros tantos desenganos
Depois que o facto se deu...
Hoje estás uma senhora...
Tens um esposo que te adora...
Um pouco menos do que eu.
E's elegante; frequentas
As salas mais opulentas,
Do high-life os áureos salões;
E ouves, muito compassiva,
A rhetorica nociva
De irresistíveis leões...
Tudo isso te compromette...
Se já te chamam coquette!
Se, na rua do Ouvidor,
Em certo grupo, diziam
Que em teus lábios se saciam
Lábios sedentos de amor !
Não sei, Alice, se erraste;
Não sei se as azas manchaste
Mais alvas que a flôr de liz.
Sei que te mostras affavel
Quando um leão desfructavel
Frivolidades te diz...
III
Oh! se eu pudesse, senhora...
Se eu pudesse, como outrora,
A grande quéda evitar,
Desviando os teus pés mimosos,
Descalços e melindrosos,
Das aguas negras do mar!...