31 de maio de 2021 | 05h00
Nicolas Pariser conversa com a reportagem do Estadão pelo telefone, de Paris. A primavera parisiense está convidativa. Os cinemas reabriram, os restaurantes – tudo com rígidos protocolos de segurança. A vida está voltando, mas todo cuidado é pouco. A chamada terceira onda da covid é uma sombra no horizonte. Pariser é o diretor e roteirista de Alice e o Prefeito, que estreou nesta semana, presencialmente, nos cinemas brasileiros.
O repórter começa fazendo um mea-culpa. Pela sinopse – garota vai trabalhar como assessora do prefeito de Lyon –, poderia ser uma comédia romântica. Hollywood com certeza faria uma. Só que o tempo passa, a história anda e o romance não vem. Alice e o Prefeito é sobre política e os políticos. “Mostramos o filme no Eliseu (residência do presidente) para o presidente Emmanuel Macron. A Associação de Prefeitos da França também usou o filme como ferramenta para um debate nacional. Fizemos mais de 750 mil espectadores nos cinemas, o que é muito bom, considerando-se que houve a pandemia.”
Macron gostou? “Mais do que gostar, acho importante destacar que ele considerou o filme uma tentativa válida de debater uma questão que é visceral na política – o embate entre ideia e ação.” Mas vamos com calma. Antes de mais nada é preciso falar sobre o ator que faz o prefeito. “O filme nasceu formatado para Fabrice Luchini. Não sei quanto ele é conhecido no Brasil, mas, na França, Patrice é reconhecido como grande ator.” O repórter arrisca – Luchini é um pouco a versão masculina de Isabelle Huppert. “São talvez os nossos maiores atores vivos. Os dois interpretam seus personagens com um distanciamento crítico que faz da arte da representação um ato reflexivo.”
E Anaïs Demoustier, a Alice? “Ela tem esse olhar, o sorriso de quem percebe o ridículo das situações.” Na trama, Alice é uma intelectual contratada para assessorar o prefeito de Lyon (Luchini). Sua função não é específica, mas ela tem de fornecer ideias ao político. Sua interferência no funcionamento do palácio municipal provoca a ciumeira da equipe. O prefeito é um potencial candidato à presidência. É preciso afastar Alice, antes que o surto de autocrítica que ela estimula produza o desastre da candidatura.
Por que Lyon? “Sou parisiense, mas queria uma cidade do interior que não fosse pequena. Cheguei a pensar em Bordeaux, mas terminei optando por Lyon por uma série de fatores. Apoio à produção, a importância política de Lyon, o seu significado nos primórdios do cinema.” Lyon vira personagem, com suas ruas e praças, o palácio, a Ópera. “Que bom que você percebeu. Fizemos uma extensa pesquisa para integrar a cidade à ficção.” Como filme de ideias, Alice e o Prefeito termina por mostrar dois personagens que não interagem romanticamente, mas se influenciam mutuamente. Ambos mudam. No final, olha o spoiler, reencontram-se para uma espécie de (re)avaliação dos respectivos caminhos.
Alice virou mãe. Quem é o pai da criança? “Isso nunca foi uma preocupação. Você tem algumas opções no filme, mas deixar a questão em aberto é uma forma de dizer que não chega a ser uma questão no filme.” A política e os políticos, esquerda e direita, a filosofia e as ciências sociais, as ideias. Todos esses temas e embates atravessam Alice e o Prefeito. O próprio nome, Alice, possui conotações. No País das Maravilhas? “Só se for o reverso”, reflete Pariser. E que tal falar um pouco sobre a forma? Nesse quesito, é difícil, senão impossível, buscar uma conexão do filme de Pariser com o cinema de Eric Rohmer.
Luchini é, ou foi, ator de Rohmer. Pariser lembra – “Fui aluno dele (de Rohmer) na Sorbonne. Seus filmes abordam as ambiguidades nos relacionamentos de homens e mulheres”. Coincidência ou não, o repórter cita o estudo sobre Rohmer na revista de língua inglesa Cineaste. Rohmer e os limites do desejo. “O filme se inspira no dinamismo dos diálogos e na funcionalidade da mise-en-scène de Rohmer. Era um minimalista. Elegante, econômico. Mas, sem o desejo, nosso filme propõe um Rohmer não rohmeriano.”
Na França, Alice e o Prefeito não fez sucesso só de público, mas também de crítica. Jornais (Libération, Le Figaro) e revistas (Positif, Cahiers du Cinéma, Transfuge) tradicionalmente antagônicos uniram-se nos elogios. Unanimidade? “Creio que o importante foi que o filme surgiu num momento em que a sociedade está predisposta a debater a política, e os políticos.” E mais – “O Brasil tem estado no centro de discussões em todo o mundo. Questões sobre a pandemia, a floresta. Não sou nenhum especialista sobre o Brasil, mas creio que o filme tem material de sobra para estimular a discussão por aí também.”