|
|
Especialistas acreditam que tribunal deve modificar posição que passou a adotar desde 2016, mas alcance do julgamento vai depender do teor da decisão que será tomada pelos 11 ministros
|
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, agendou para a próxima quinta-feira o julgamento de um dos temas mais controversos em andamento na Corte. Os 11 integrantes do plenário vão avaliar se, nas ações penais, a prisão pode ser efetuada a partir de condenação em segunda instância de Justiça, ou se um condenado pode ir para a cadeia apenas quando todos os recursos possíveis forem analisados pelo Poder Judiciário, o que, geralmente, resulta na impunidade dos réus. A depender da decisão, além de presos famosos da Lava-Jato, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, outros 190 mil detentos podem ser liberados em todo o país. De acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ, essa é a quantidade de presos provisórios nos 26 estados e no Distrito Federal.
O Supremo já julgou esse assunto quatro vezes, em casos específicos, desde fevereiro de 2016. No entanto, é necessário que a Corte aplique o efeito “erga omnes”, que faz com que a decisão tenha validade definitiva e obrigatória para todos os tribunais do país. Os ministros vão julgar três ações diretas de constitucionalidade (ADCs) apresentadas, respectivamente, pela Ordem dos Advogados do Brasil, pelo PCdoB e pelo Patriotas. Nas ações, os autores pedem que seja declarado constitucional o texto do artigo 283 do Código de Processo Penal, que estabelece que alguém será considerado culpado apenas quando o processo transitar em julgado.
Há controvérsia sobra a questão, uma vez que apenas a primeira e a segunda instâncias julgam casos de réus sem foro privilegiado. Ou seja, o trânsito em julgado se completaria quando esgotados os recursos no segundo grau de jurisdição. A partir daí, já não haveria presunção de inocência, apenas recursos extraordinários ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao STF. Em praticamente dosos os países democráticos funciona assim. Mas há legislações mais rigorosas: nos Estados Unidos, no Reino Unido e na França, condenados já vão para a cadeia na primeira instância.
Atualmente, no Brasil, cumprem a execução da pena após condenação em segunda instância homicidas, estupradores, sonegadores, assaltantes, estelionatários e condenados por crimes de colarinho branco, como lavagem de dinheiro e corrupção. Entre os condenados que podem ser soltos estão presos da Lava-Jato, inclusive Lula. Atualmente, o STF entende que uma pessoa condenada pode começar a cumprir a pena após a segunda instância, e cabem recursos. Após a segunda instância, cabem recursos aos tribunais superiores, como STJ e o próprio Supremo. Esses tribunais analisam aspectos processuais do julgamento, mas não reexaminam as provas que, eventualmente, levaram os réus a serem condenados nas instâncias inferiores.
Sentenciado a oito anos, 10 meses e 20 dias de prisão no processo relacionado ao triplex do Guarujá, Lula está preso por conta de uma sentença proferida pelo Tribunal Regional Federal da Quarta Região (TRF-4). Caso o Supremo revogue o entendimento que permite o cumprimento da pena, ele poderá ser solto. Isso, porém, vai depender do entendimento dos ministros, que podem decidir pela prisão apenas ao fim do processo; na segunda instância, como ocorre atualmente; ou a partir de confirmação da condenação pelo STJ, como defende Dias Toffoli.
O advogado Leonardo Pantaleão, pós-graduado em Direito Penal Econômico Internacional pelo Instituto de Direito Penal Econômico e Europeu, da Universidade de Coimbra, em Portugal, afirma que se o Supremo mudar seu entendimento, a soltura dos presos poderá ser solicitada imediatamente pelas defesas. “A interpretação anterior do Supremo está sendo questionada. Se essas ações forem julgadas procedentes, isso significa que a execução provisória de uma pena privativa de liberdade não pode ser realizada. Se for assim, todos aqueles que estão cumprindo pena após julgamento em segundo grau, estão sofrendo um constrangimento”, declarou.
Divisão
A questão divide os ministros do Supremo há anos. Em 2009, ao julgar o caso de um fazendeiro que atirou num rapaz por ciúme, o STF acabou com as prisões em segunda instância, o que, geralmente, resulta na impunidade réus com dinheiro para contratar grandes bancas advocatícias. Em fevereiro de 2016, a Corte voltou atrás: decidiu que um réu poderia ser preso depois de condenado em segunda instância e que deveria recorrer da sentença cumprindo pena. Em outubro do mesmo ano, a decisão foi confirmada durante o julgamento de ações apresentadas pelo PEN e pela OAB.
Em julgamentos anteriores, alguns ministros se posicionaram claramente contra a prisão em segunda instância. Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski são os maiores críticos dessa possibilidade. Cármen Lúcia e Edson Fachin, até o momento, defenderam a prisão no curso do processo como forma de garantir a aplicabilidade da lei penal. A professora Vera Chemim, mestre em direito constitucional da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e especialista em STF, afirma que o entendimento atual deve ser revogado. “A prisão em segunda instância vai cair. Na melhor das hipóteses, fica no STJ, ou seja, poderá ser preso quem já tiver apresentados todos os recursos possíveis neste tribunal. Isso se não cair para a quarta instância (STF), como era antes, apenas após o processo ser encerrado”, disse.
Tendência
Como se posicionam os ministros, com base em julgamentos e declarações anteriores
Contra a prisão em 2ª instância:
Gilmar Mendes
Ricardo Lewandowski
Marco Aurélio Mello
Celso de Mello
Dias Toffoli (defende prisão a partir de condenação do STJ)
Rosa Weber
A favor:
Luís Roberto Barroso
Luiz Fux
Edson Fachin
Indefinidos
Carmen Lúcia
Alexandre de Moraes