Alceu Valença está com saudade de andar feito um cão abandonado. Enquanto mantém-se em isolamento social, o cantor caminha erraticamente dentro do apartamento onde mora, no Leblon, na Zona Sul do Rio. Cronometrado com um aplicativo no celular, ele se desloca entre cômodos e corredores para cumprir a meta de dez mil passos por dia, o que equivale a 64 subidas e descidas pela escada de casa.
Nas novas andanças, ele colhe frutos adocicados. Em casa, Alceu dedilha novas letras e melodias no violão (“agora toco o tempo todo”, afirma), vasculha arquivos antigos e reencontra composições que ainda não foram gravadas — no celular, já pinçou 25 músicas inéditas, criadas durante um de seus voos, viagens de carro ou caminhadas no passado. Na internet, ele mostra que tem facilidade em transformar a tela em palco confortável.
Depois de cancelar 35 shows no Brasil e 16 apresentações de uma turnê internacional devido à pandemia do novo coronavírus, Alceu tem sido muito solicitado para realizar transmissões ao vivo na web, mais ainda agora, em época de festejos para São João.
Recentemente, uma empresa demonstrou interesse em contratá-lo para “acalmar os ânimos dos funcionários nos intervalos de uma reunião internética”, como o próprio conta, acrescentando que não aceitou a proposta. Outro convite já chegou de Portugal, onde ele possui residência em Lisboa.
— O pipoco é grande. Em tudo que é canto, o povo pede show. E isso é bom, porque quem catapultou o forró no mundo foi a internet. Há três ou quatro anos, saiu uma página inteira num jornal da Ucrânia sobre dois discos meus. O regional se tornou universal. Como eu imaginaria isso? — celebra. — As músicas “La belle de jour” e “Girassol”, que foram tocadas pouquíssimas vezes em rádio, vão alcançar 100 milhões de acesso no Youtube. É uma coisa inacreditável, e mostra que não dá para se explicar o viral. Acho que agora há uma nova onda na internet.
Festejos virtuais até domingo
Alceu aprendeu a navegar sobre a maré on-line. Na noite desta sexta-feira (26/6), ele dá largada para uma maratona de festas dedicadas a São João , em evento que se estende por todo o fim de semana, com produção da plataforma Pipoca e transmissão nos perfis do cantor no Youtube e no Instagram.
Nesta sexta-feira (26/6), a partir das 20h, ele apresenta nomes importantes da cena artística de Caruaru, no agreste pernambucano, e cede o microfone (virtualmente) para a Banda de Pífanos Zé do Estado e Azulinho, entre outros. No sábado (27/6), a partir das 16h, forrozeiros de Olinda ganham espaço — apresentam-se músicos como Felipe Costa, Karol Maciel, Claudio da Rabeca, Juba, Genaro e Terezinha do Acordeon. No domingo (28/6), às 16h, a festa junina se encerra com um show do próprio Alceu, que entoará clássicos de Luiz Gonzaga e sucessos de seu repertório, como “Táxi lunar”, “Anunciação” e “Coração bobo”, diretamente de uma casa que mantém na Joatinga, no Rio.
As ações ajudam a divulgar uma campanha de arrecadação para artistas de Caruaru e São Bento do Una, cidade natal Alceu — ambos os lugares viram suas receitas duramente afetadas com o cancelamento de festejos tradicionais neste período.
— São milhares de pessoas que frequentam as festas e, com isso, se hospedam nos hotéis, comem milho, vão aos restaurantes... Os eventos de São João movem a economia no Nordeste. O estigma sobre o artista tem que acabar! — manifesta-se. — Algumas pessoas que trabalham comigo estavam numa deprê arretada. São as lives que têm salvado o setor.
Público poderá interagir
Uma novidade chama atenção na apresentação que ele fará no domingo. Numa sala da plataforma Zoom, o público poderá ser visto e ouvido pelo cantor durante o show. Através de um telão instalado em casa, Alceu acompanhará as reações dos espectadores.
— Tudo no mundo é reinvenção. Temos que andar, andar. Até que tudo volte ao normal, a gente precisa esperar uma vacina que coloque esse canalha do corona na guilhotina — proseia.