02 de outubro de 2020 | 05h00
A cantora Alaíde Costa, que completa nesta sexta (2) 85 anos, vai se apresentar em uma live a convite da casa de jazz Blue Note. O show será hoje, às 20h, e ela deve fazer um repertório centrado em canções da bossa nova para lembrar do gênero que mais a seduziu desde o início de sua carreira.
Alaíde vive um momento curioso e de produção intensa. Além de receber um prêmio no Festival de Gramado de melhor atriz coadjuvante por sua participação no filme Todos os Mortos, dos diretores Caetano Gotardo e Marco Dutra, ela tem um álbum a ser gravado com composições de José Miguel Wisnik e um segundo, só com músicas inéditas, a ser produzido por Marcus Preto e pelo rapper Emicida. “Já recebi músicas da Joyce, do Ivan Lins, de Guinga, de Marcos Valle e do Francis Hime”, conta, orgulhosa, mesmo ainda não fazendo ideia de qual o caminho que a sonoridade deve seguir. “Isso fica tão nas mãos dos produtores que não consigo prever, mas eles me conhecem bem”.
Sobre o prêmio de Gramado pro sua atuação no filme, Alaíde acha graça. “Eu só cantei e fiz alguns gestos, e me escolheram mesmo assim, mesmo sem eu falar uma palavra.”
Seu show no Blue Note será todo virtual, transmitido pelas plataformas da casa. Ela vai se reunir com o pianista Giba Estebez e terá como convidados os também pianistas Gilson Peranzzetta e João Donato. O repertório terá Retrato em Branco e Preto (Chico Buarque e Tom Jobim), Dindi (Tom Jobim e Aloysio de Oliveira), Estrada Branca (Tom Jobim e Vinícius de Moraes), Insensatez (Tom Jobim e Vinícius de Moraes), Eu e a Brisa (Johnny Alf), entre outras. “Vamos nos concentrar na bossa nova.”
Alaíde diz que ainda há que se olhar para o gênero com mais cuidado. Ela é contra ao pensamento do “banquinho e violão” e acredita que o clichê seja redutor. “Tom Jobim morreu fazendo bossa nova e coisas como a música Ana Luíza não têm a chamada batida do banquinho e violão.” E lembra de Johnny Alf, o precursor por quem foi apaixonada desde a primeira vez em que o viu em ação e a quem homenageou em uma live recente.
Alaíde viu o pianista pela primeira vez em um programa de auditório. Ela tinha 16 anos e também se apresentava em programas de calouro. Ao começar a cantar com todas as influências que já havia absorvido, ouviu muitas vezes dizerem que era uma cantora “que cantava sozinha.” Hoje, aos chegar aos 85 anos, olha para os caminho que escolheu, compara com os outros que seriam possíveis e analisa. “Acabei não me tornando uma cantora popular. Onde Está Você até que fez algum sucesso maior, mas sempre escolhi os caminhos mais difíceis desde que era criança e até hoje eu estou nele.”
Seu início de vida musical se deu no programa A Raia Miúda de Renato Murce. Quando fala de suas escolhas difíceis, Alaíde se refere também a um estilo de canto que se tornou sua marca, suave, às vezes aos sussurros e de linhas que o levam dos agudos aos graves em generosas curvas melódicas. Onde Está Você veio em 1964, que funcionaria como sua porta de entrada nos meios musicais da época e a fez ganhar matérias nas principais revistas de celebridades. Na década seguinte, faria de sua participação no Clube da Esquina, com Milton Nascimento e Lô Borges, em 1972, com uma gravação sublime de Me Deixa em Paz.
Ao chegar aos apartamentos da bossa nova no pós 1959 de Chega de Saudade, Alaíde teve logo a indicação de João Gilberto. Para o baiano, o produtor Aloysio de Oliveira não sabia o que estava perdendo por não ouvir a voz daquela menina de Água Santa. A bossa nova branca da zona sul a recebeu com carinho, mas só em um dos livros de Ruy Castro que ela descobriu ter um apelido dado a ela pela cor de sua pele: ameixa. “Eles me aceitaram em termos. Não sei se era tão carinhoso não”, desconfia.
Ao falar de seu período de quarentena, Alaíde diz que é “rebelde”. “Eu acabo indo ao mercado, ao sacolão, à farmácia. Mas sempre de máscara.” Seus dois álbuns em preparação e a live de hoje a faz pensar em um movimento inverso em sua vida: “Engraçado, antes eu não fazia nada. Foi preciso chegar essa quarentena pra aparecer tanto trabalho.”