Nunca gostei de água gelada, por falta de costume. O motivo é simples: Em Nova-Cruz, cidade do interior nordestino, onde nasci e me criei, não havia energia elétrica e, consequentemente, não se tinha geladeira, salvo os ricos fazendeiros, que tinham gerador próprio.
Somente em 1963, chegou a Nova-Cruz a energia de Paulo Afonso. Tempos depois, quem tinha boas condições financeiras, passou a gozar do conforto de ter geladeira e ventilador.
Antes da chegada da energia de Paulo Afonso, os municípios do interior do Rio Grande do Norte eram iluminados por meio de motores elétricos a óleo, que eram ligados às seis da tarde. Às nove horas da noite era dada a primeira “piscada”, um aviso à população de que os candeeiros e as lamparinas deveriam ser acesos.
Mesmo depois da chegada de uma geladeira em nossa casa, me recusei, ainda mocinha, a beber água gelada. Inventava que me dava dor de dente, ou que me irritava a garganta. Mas era a tal coisa: desculpa de amarelo é comer barro. Eu não suportava água gelada mesmo. Continuo, até hoje, preferindo água natural. Foi um costume que eu assimilei desde criança e conservo até hoje.
Meu saudoso irmão Adriano, o primogênito, era muito espirituoso. Depois que serviu ao Exército, foi aprovado em concurso para a Petrobrás e foi nomeado para trabalhar em Ilhéus (BA). Depois foi transferido para Maceió (AL), Aracaju (SE), Joaçaba (SC), e, finalmente para o Rio de Janeiro (RJ), onde, anos depois, se aposentou. Morou em Niterói (RJ), até o fim dos seus dias.
Certa vez, depois que chegou energia elétrica em Nova-Cruz, um conhecido oportunista, que não pagava nem promessa a santo, lhe telefonou pedindo dinheiro emprestado, para comprar uma geladeira. Adriano, recém casado, e ainda mobiliando uma casa para morar, respondeu:
– Rapaz, estou recém-casado e ainda não pude comprar uma geladeira. Por enquanto, continuo bebendo água do filtro. Coloco uma pastilha de hortelã “garoto” na boca e a água fica gelada, que é uma beleza. Faça isso, que você vai gostar! A água desce gelada, gelada.
O cara ficou desapontado, e não insistiu.
Outra vez, um outro conhecido enrolão, dizendo que sua geladeira tinha dado o prego, telefonou para Adriano, em Niterói, pedindo dinheiro emprestado para mandar consertá-la.
Ironicamente, meu irmão deu a mesma resposta:
– Rapaz, a minha geladeira também está quebrada. Resolvi não mandar mais consertar, pelo menos por enquanto. Aqui em casa, estamos bebendo água do filtro, com uma pastilha de hortelã “garoto” na boca. É a água gelada melhor do mundo!!! Experimente!
Ele tinha um humor fino, e quando vinha de férias, com a esposa e filhos para Nova-Cruz, gostava de brincar com Dona Severina, uma empregada antiga da minha avó e perguntava se ela ainda subia no coqueiro para tirar coco, como fazia antigamente.
A mulher respondia:
– Que nada, Adriano. Não tenho disposição mais pra me trepar num coqueiro e tirar coco.
E ele perguntava, achando graça:
– Então, a senhora não trepa mais num coqueiro?
Ela respondia:
– Estou velha e minhas pernas não aguentam mais. Não trepo nem num tamborete, muito menos num coqueiro!!!
Todos prendiam o riso…
Dona Severina gostava de fazer uma fezinha no jogo do bicho, todos os dias. Jogava uns trocadinhos, somente no grupo. Para um bom palpite, ela enchia uma xícara com café, riscava um fósforo, jogava dentro e cobria com o pires. Cinco minutos depois, descobria a xícara e o bicho estava desenhado no café, pelo menos para ela. Vez por outra, ganhava um dinheirinho no bicho e ficava radiante.
Para ajudar no palpite, ela dizia que rezava uma oração forte, que era “tiro e queda.” A oração fazia com que o desenho do bicho dentro do café ficasse nítido de dar gosto.
Na cozinha da casa da minha avó, com os olhos fixos na xícara de café, Dona Severina rezava:
“Meu São Marcelo do couro preto, me mostrai o bicho de hoje, que eu lhe dou o que o senhor quiser de mim, até mesmo o impossível.”
E essa oração era supimpa, para dona Severina ganhar no jogo do bicho.