Do Paraná ao Maranhão, o afroturismo tem ampliado seu espaço, seja nas regiões centrais e históricas, seja em zonas periféricas e cidades do interior. Comandados por pessoas negras, esses tours e experiências contam, ou recontam, a história dos lugares a partir de suas perspectivas e memórias, ajudando a revelar um passado muitas vezes camuflado.
Tambores em São Luís do Maranhão
Novos roteiros estão prontos para serem lançados, como o Quilombo Cultural, desenvolvido pela Secretaria municipal de Turismo de São Luís do Maranhão e previsto para 20 de novembro, o Dia da Consciência Negra.
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O local é o Quilombo Urbano da Liberdade, formado por quatro bairros próximos ao Centro (Liberdade, Camboa, Vila Goreth e Fé em Deus) povoados por pessoas de regiões do interior com forte influência afro-brasileira, e que levaram consigo suas crenças e manifestações culturais.
O roteiro passará por terreiros de Tambor de Mina, uma religião de matriz africana tradicional do Maranhão, bares de reggae, barracões de bumba meu boi e grupos de tambor de crioula, entre outros. Poderá ser feito por conta própria ou com agências.
Olinda além do casario
No mesmo mês, a agência Guia Negro (guianegro.com.br) pretende lançar um passeio em Olinda, em Pernambuco. O tour será uma parceria com o Afoxé Alafin Oyó, grupo cultural com forte atuação no carnaval local. A ideia é mostrar um outro lado da história, menos presente nos livros escolares, e incluir novos atores, como donos de restaurantes negros.
— Nossa ideia é mostrar que o lugar não tem apenas igrejas, casario colonial e histórias dos tempos dos holandeses. Tem uma herança africana muito forte, da música à gastronomia — explica Guilherme Soares Dias, um dos fundadores da Guia Negro.
São Paulo: da Liberdade ao Grajaú
A empresa (antiga Black Bird Viagens) nasceu em 2018 com o projeto Caminhada São Paulo Negra, na capital paulista. A proposta sempre foi mostrar a herança negra em bairros que ficaram ligados a outras populações, como a região do Bixiga, tradicionalmente associada à imigração italiana, mas que é um importante polo da cultura afro-brasileira em São Paulo, sendo, inclusive, berço da escola de samba Vai-Vai. E a Liberdade, cujo nome vem da rebelião por melhores salários liderada pelo cabo negro Francisco José das Chagas, executado ali em 1821, muito antes da chegada dos japoneses.
Ainda na região central, há uma caminhada inspirada pelo abolicionista Luis Gama. Mas, em breve, a agência ao Grajaú, na Zona Sul, bem longe do vão do Masp ou do Pátio do Colégio, mas perto da cultura negra moderna paulistana.
Em Salvador, um trem à beira-mar
Este ano, a agência estabeleceu atividades também na Bahia. Na capital, o primeiro passeio foi a Caminhada Salvador Negra, a partir do Pelourinho, num roteiro que busca resgatar o protagonismo negro na cidade. Uma das paradas é a sede da Sociedade Protetora dos Desvalidos, organização fundada por homens negros livres em 1832 e que ajudava, entre outras coisas, a comprar alforria para pessoas escravizadas.
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Há ainda passeios em zonas mais periféricas, como o do Subúrbio Ferroviário, onde se chega num trem à beira-mar, e que inclui a travessia de ferry boat entre os bairros Plataforma e Ribeira. Já no roteiro pelo Curuzu, os visitantes sobem (ou descem?) a ladeira para conhecer o Ilê Ayê, a estátua de Nelson Mandela e a tradição das tranças. E, por fim, o roteiro Passa Uma Tarde Em Itapuã mostra um lado mais afro da praia imortalizada por Toquinho e Vinícius, com destaque para a bela Lagoa de Abaeté.
Maceió: heranças que não se resumem a Palmares
Se Salvador é mais que Pelourinho, Alagoas não se resume a Palmares. É o que ensina o passeio Andança Negra Maceió, da agência Alagoas Cultural (facebook.com/alagoascultura). Nele, o visitante aprende sobre a influência afro-brasileira na cultura e na gastronomia, e escuta histórias de resistência, como a Quebra de Xangô, um evento de intolerância religiosa que resultou na destruição de diversos terreiros de cultos de matriz africana no estado, em 1912.
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O passeio, que está suspenso por causa da pandemia, tem também uma versão carnavalesca, com foco nos ritmos populares que caracterizam a festa alagoana, como o bumba meu boi, que, ali, é uma tradição de fevereiro.
— Queremos retornar em dezembro, se a vacinação permitir. E vamos tirar do papel nosso passeio para a Serra da Barriga e Palmares, que íamos começar a operar quando começou a pandemia — diz Jéssica Conceição, uma das sócias.
Curitiba negra
No mesmo compasso de espera pela queda no número de casos está a dupla Mel e Candiero, responsáveis pela Linha Preta (inhapretacuritiba.wixsite.com/linha-preta), um tour sobre a história negra de Curitiba. Em cerca de duas horas e meia, o passeio passa por mais de 20 pontos, como a estátua “Águas para o morro”, que contam como africanos e seus descendentes foram importantes para o desenvolvimento da cidade, antes mesmo da chegada dos imigrantes europeus.
— O primeiro poeta da cidade era negro, a festa mais popular, por mais de de 200 anos, era a coroação dos reis do congo. Tivemos aqui personagens incríveis, como Maria Águeda, uma mulher negra e livre, que enfrentou os poderosos da região em 1804, além da primeira engenheira negra do Brasil, Enedina Alves Marques e dos próprios irmãos André e Antônio Rebouças, que projetaram a estação ferroviária e a ferrovia Curitiba-Paranaguá — conta Candiero.
Rio de Janeiro do jongo e do samba
No Rio, a pandemia fez a agência Sou + Carioca (soumaiscarioca.com.br) se adaptar, seja criando tours virtuais, seja reduzindo para dez pessoas os grupos presenciais. A agência é uma referência em afroturismo na cidade, e tem o tour pela Pequena África, na zona portuária, seu carro-chefe. Mas desenvolveu também passeios pelos bairros de Madureira e do Estácio, pontos fundamentais para entender a herança negra na cidade a partir do jongo e das escolas de samba.
— A gente usa o patrimônio público e a rua para abordar assuntos como racismo estrutural e desigualdade social. O turismo é uma ferramenta muito boa para isso — explica a sócia Gabriela Palma.