A mortalidade infantil era absurda. A criança adoecia à tarde e antes de amanhecer o dia estava morta. Não havia assistência médica nenhuma, e, consequentemente, não havia plantão médico.
Chá de canela era o “remédio” que os curiosos indicavam para os bebês, quando de repente ficavam febris, pálidos e choramingando. Foi assim que vi um irmãozinho meu, Galdino, morrer, no dia em que completou sete meses de idade, ao sofrer uma convulsão pela madrugada. Tinha amolecido à noitinha, ficou febril e foi “medicado” por um conhecido charlatão da cidade, que, em sua casa, consultava o povo da roça, dia de feira. O remédio por ele indicado foi chá de canela, achando que deveria ser uma gripezinha.
Nunca esqueci o desespero da minha mãe naquela madrugada, gritando desolada, sem querer acreditar que a criança estava morta. Meu pai, também desesperado, tentava acalmá-la, mas era em vão. Eu tinha pouco mais de quatro anos. Nunca esqueci essa terrível cena, numa madrugada escura e fria.
Pela manhã, a casa se encheu de gente. À tarde, houve o enterro de Galdininho (como minha mãe o chamava), com a presença de familiares da minha mãe, que moravam em Natal. Essas coisas tristes da vida, a gente nunca esquece…
Pois bem. A feira municipal de Nova-Cruz era na 2ª feira. Era considerada a maior feira da região agreste. Começava pela madrugada e se estendia até o final da tarde.
Do balcão da bodega do nosso pai, assistíamos a um verdadeiro espetáculo de cultura popular: As cantigas dos cegos, pedindo esmolas, e insultando uns aos outros, defendendo seus direitos àquele ponto. Era uma verdadeira festa do Cordel. Os desafios eram hilários e maliciosos.
A feira era um verdadeiro encontro ou reencontro de almas. Era um dia divertido, com meu pai, minha mãe e quase todos os filhos no balcão da venda. Em frente, havia duas barracas que vendiam cocorotes (de coco), bolo branco (hoje chamado “bolo da moça”) e doce americano (geleia de coco). Nunca me esqueci do gosto dos cocorotes. Tudo era uma gostosura.
Mais adiante, chegava um vendedor ambulante, com uma mala cheia de óculos de grau para vender, e formava-se uma fila de pretensos “clientes”, para comprar óculos, cujo grau lhes permitisse ler as letrinhas da caixinha de fósforo “MARCA OLHO”. Esse era o teste para aprovação do grau.
A precariedade da vida em Nova-Cruz forçava o povo a dar preferência aos óculos vendidos pelo ambulante. Além do mais, se o problema fosse apenas “vista curta”, seria mais cômodo e mais em conta comprar os óculos já prontos na feira, do que ter que viajar a Natal, somente para esse fim. Os compradores de óculos ficavam satisfeitos quando enxergavam perfeitamente as letrinhas da caixinha de fósforos “Marca Olho”. Era o sinal de que o grau era aquele.
De Nova-Cruz a Natal são 110km. Entretanto, naquela época (60/70), em estrada de barro, a viagem de ônibus levava de 4 a 5 horas. Durante o inverno, o atoleiro era grande. Por isso, os feirantes da zona rural eram acostumados a comprar óculos de grau na feira, já prontos. A aprovação dos óculos era 100%, e ninguém reclamava. Meu saudoso tio Paulo Bezerra, por comodidade, também só comprava óculos de grau na feira, e se dava muito bem.
Também na feira de Nova-Cruz, costumava estar presente um homem vestido com uma bata branca, com pose de doutor, que ali armava uma pequena banca e sobre ela mantinha uma garrafada, que continha um ácido para “tirar” sinais da pele. Nessa época, não se falava em carcinoma. A fila de pessoas que pagavam para tirar sinais era grande. Nunca se soube de um insucesso de um desses “procedimentos cirúrgicos”. Hoje, esse homem seria preso por charlatanismo. Meus tios Paulo Bezerra e Eulina Bezerra chegaram a tirar alguns sinais com ele e os “procedimentos” foram muito bem sucedidos.
Essas lembranças fazem parte da minha saudade. Volto à minha infância e juventude. Essa feira, na minha vida, foi muito mais do que uma simples feira.