Nas vésperas do carnaval eu saboreava um arabaiana ao molho de camarão acompanhado de cerveja gelada na Barraca Pedra Virada, esperando o pôr do sol da praia da Ponta Verde, quando Nereu aproximou-se e sentou-se a meu lado. Era fim de tarde, notei que o amigo havia tomado alguns uísques além da cota. Nereu, meio embriagado, estava a fim de desabafar, confessou-me fatos detalhados de sua vida. Não parou de falar, nem para respirar.
– Meu querido amigo como você já deve estar sabendo dos boatos que correm na cidade, eu gostaria de contar minha versão da história. Você é um homem moderno e tenho certeza que vai entender.
No início dos anos 90, eu tinha cerca de 20 anos, arribei do Ceará, minha terra, vim trabalhar em Maceió. Gostei, por aqui fiquei, constitui família, considero-me alagoano. Passei parte de minha vida me reprimindo, essa é a questão. Quando eu bebia tinha vontade de tocar nos amigos, entretanto, me segurava, tinha medo da desmoralização, do escândalo. Desconfiava de minha ambiguidade sexual desde menino, eu amava brincar de troca-troca durante minha puberdade em Sobral, cidade onde nasci e me criei.
Toda vez que bebia além do normal, dava-me uma comichão e vontade de segurar no pau dos outros, de dar o rabo; eu me segurava e isso me atormentava.
Para resolver a situação tive que escolher entre ser homem ou baitola e me fiz macho: namorei a Helena, aquela jovem morena da praia de Pajuçara, cobiçada por muitos, entretanto ela me quis. Com pouco tempo de namoro e noivado, nos casamos, logo nasceram dois filhos. Eu pensava que estava livre dos desejos que me atormentavam, mas, em vez em quando a comichão aflorava. Certa vez, conheci um jovem carioca, Romeu, rolou um amor, eu fiquei em vida dupla. Depois que Romeu retornou ao Rio, comecei a fazer programa com garotos. Tive problemas e muita briga com Leninha, era o inconsciente.
Depois de vinte anos de casados e muito desentendimento, nos separamos. Helena hoje me detesta. Onde ela estiver, com a língua solta, me destrata, me esculhamba. Eu fico com pena de meus filhos, eles me amam.
Há quatro anos frequento uma psicóloga competente, ela puxou tudo de mim, depois de algum tempo de tratamento, a doutora me preparou para assumir minha bissexualidade. Foi o que de melhor aconteceu em minha vida, nada pior que as coisas não resolvidas. Hoje não importo para o que pensem, sou bicha, baitola, adoro dar. Sou homossexual assumido e não vejo problema. Aliás, sou bissexual, gosto também de mulher, vez em quando.
Estou agora na linha de frente na luta os homossexuais, tornei-me batalhador da causa das minorias sexuais tão discriminadas. O único problema é a aceitação de meus dois filhos; sei que é difícil, mas o tempo é o senhor da razão, já dizia o Presidente. Serei um homem mais feliz quando os filhos me aceitarem como sou.
Nereu não parou de falar, eu escutando, conversa de xiita engajado na luta. Pensando, tirei uma conclusão: jamais Nereu retornará à categoria dos machos, está de cabeça feita, tem convicção de sua opção sexual, a psicóloga ajudou muito ao cearense.
Ele deu-me uma explicação de uma forma científica. Não entendi muito, confesso. Segundo a psicóloga:
As pessoas não mudam sua sexualidade durante a vida, ela vem do berço, algumas assumem a homossexualidade cedo, outros assumem durante o período de incerteza, de indefinição de identidade sexual, na adolescência. Outros homossexuais não assumem, são os enrustidos.
Fiz que entendia a informação científica de meu amigo porque naquele momento apareceu à mesa outro desocupado, o Xavier. Mudou o assunto.
Amigo leitor ou leitora, vocês entenderam? A história do Nereu serve para os dois casos. Então, se você tiver vontade de abraçar um amigo com mais força, não se acanhe, é normal. Sair do armário, assumir foi o melhor que aconteceu com Nereu. Stanislaw Ponte Preta já dizia nos anos 60, que o terceiro sexo já estava em segundo lugar. Não se constranja, hoje o mundo é outro, peça ajuda a um psicólogo, faça como meu amigo. Se for solteiro ou solteira, talvez até arranje um bom casamento.
Finalizo os escritos, esclarecendo que eles não têm intensão de caçoar. Homossexualismo é coisa séria e esta história é baseada em um fato contado pelo próprio personagem. Tenho muitos amigos e amigas homossexuais, que gosto e respeito. E garanto que o mundo sem homofobia, ficaria bem mais fraterno e cor de rosa.