Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Coluna do DIB quinta, 31 de agosto de 2017

A VOLTA DAS VIVANDEIRAS

A VOLTA DAS VIVANDEIRAS

A. C. Dib

 

 

      Eu os identifico a todos. E são muitos deles, os mesmos que, desde 1930, como vivandeiras alvoroçadas, vêm aos bivaques bolir com os granadeiros e provocar extravagâncias do Poder Militar.

Marechal Castello Branco

 

 

                   O assédio de civis sobre os militares, com o fim de seduzi-los, arregimentá-los e induzi-los a incursões políticas e a aventuras golpistas não é fato novo na crônica política tupiniquim. O Marechal Castello Branco, em toda sua calejada experiência e sólida formação acadêmica, em priscas eras, já identificava a ação aliciante e perniciosa das vivandeiras alvoroçadas. Para os neófitos, importa esclarecer: vivandeiras eram aquelas mulheres que vendiam mantimentos, ou que os levavam, acompanhando tropas em marcha. Assim, Castello Branco nos falava daquelas futriqueiras políticas que “comercializam” ou advogam a causa do golpe militar ou golpe de Estado junto aos militares, tentando vender-lhes seu produto.

                   Tais vivandeiras, de que já nos falava o saudoso Marechal/Presidente, afloram uma vez mais, laborando para vender seu pútrido peixe de data de validade vencida. Grupos, grupos e mais grupos vêm surgindo no Facebook alardeando e defendendo teses golpistas e a volta dos militares ao poder. Surgiram timidamente, adotando nomes relacionados ao Juiz Sérgio Moro e à Operação Lava-Jato, com slogans de apoio ao honorável Magistrado e à intitulada ação estatal de combate à corrupção. Pouco a pouco, entretanto, vão-se tornando mais explícitos em seus propósitos conspiratórios, mais diretos, mais honestos e claros. Vão abandonando as palavras de ojeriza à corrupção e de solidariedade à operação que lhe confere combate e vão adotando discurso golpista, contrário às instituições democráticas, partidário da reimplantação de regime militar no Brasil. E tome fotos do General Médici e tome mensagens de “como eram bons aqueles saudosos anos ordeiros e de grande seriedade moral” e tome dizeres proféticos, vaticinando o fracasso da democracia.

                   Apaixonado que sou pelo tema “combate à corrupção” – tema esse caro e prioritário ao povo brasileiro na atualidade −, inicialmente aderi a alguns desses grupos. Com o pipocar, aqui e ali, de uma ou outra mensagem de saudosismo dos anos militares, minha reação – costumo comentar todas as publicações – era de censura, de repúdio a semelhantes teses. Achava-me, então, voto vencido, com todos os demais participantes apoiando, entusiasticamente, ditas ideias. Em verdade, já por ocasião da gigantesca manifestação popular pelo impeachment de Dilma, estando na cidade de São Paulo, tive o orgulho de marchar pela Paulista, clamando pela remoção da Presidenta do trono dadivoso do poder. Já naquela ocasião, tive o desprazer de me deparar, em plena Paulista, com um caminhãozinho de som, no qual as poucas pessoas que o ocupavam vociferavam palavras de ordem de retorno aqueles idos, de triste memória. Chocado e enojado, cuidei de colocar boa distância entre mim e o sinistro caminhãozinho de som. Verifico agora que aquilo era o prenúncio do que se vê hoje, em larga escala.

                   Mas voltando aos grupinhos do Face, constatando que protestar contra aquelas publicações golpistas era pregar no deserto, fui me desligando dos indesejados grupinhos. Ocorre que a memória robótica, simplista e automática do Facebook parece ter-me associado ao movimento golpista. Firmaram entendimento de que eu gosto da coisa. E tome propostas e convites de ingresso em novos grupos. Grupos que trazem, como pano de fundo, fotos de milicos perfilados, batendo continência, com seus galões, quepes, espadas e uniformes esverdeados; fotos de brasões; de símbolos marciais e etc., vão ganhando de roldão a minha tela. Já vi, inclusive, foto do Juiz Sérgio Moro cercado de militares, como se o ínclito Juiz Federal fosse um dos mentores da patética tese militarista – na fotografia, Moro, certamente, participava de alguma solenidade. Parece que associar Moro aos militares enriquece a fatídica propaganda. E foi-se a timidez primordial, perdeu-se a cautela. Impera, agora, a ousadia explícita, com denominações mais honestas e autênticas, do tipo “Intervenção Militar Já!”.

                   Não falam em golpe de Estado, golpe militar e ditadura militar. Empregam a expressão – asséptica e vaga – “intervenção militar”. Já vi, até mesmo, um cara falar em “intervenção militar momentânea”, até a próxima eleição. Como se ditadura militar tivesse hora marcada e prazo de validade! Outro cretino me apareceu com a proposta de “intervenção militar constitucional”. CONSTITUCIONAL?! Não sei que diabo é isso. Se existe na Carta de 1988 previsão de atuação das Forças Armadas como Poder Moderador, por favor, avisem-me, eis que desconheço.

                   Brincadeiras à parte, a coisa é muito preocupante. Em passado recente, o Brasil já assistiu a esse filme aterrorizante. Também em 1964 tivemos a “Marcha da Família, com Deus e pela Liberdade”, que encorajou e respaldou a posterior ação golpista. Bem verdade que, em 1964, o cenário político nacional e mundial era bem diverso: em meio à Guerra Fria, que dividia em dois o planeta – espécie de Tratado de Tordesilhas ideológico −, existia, concretamente, a chamada “ameaça vermelha”, ou ameaça de golpe de estado comunista. No Brasil dita ameaça se fazia personificar na figura caudilhesca de Leonel Brizola e por tipos incendiários como Darcy Ribeiro, que já falavam aberta e despudoradamente em fechamento do Congresso Nacional. Situações de quebra da hierarquia e da disciplina – dogmas de fé para os militares – eram veladamente encorajadas pelo Governo João Goulart. Eclodiu, então, o golpe, aplicado com retórica de “contragolpe”. E, urge registrar, mostrou-se mui bem recebido e aplaudido por expressiva parcela da sociedade, já saturada da instabilidade e dos desmandos reinantes no Governo Jango.

                   O fato é que – frase já surrada, mas de grande verdade – “golpe de Estado todos sabem como começa, mas ninguém sabe como irá terminar”. Nasce o golpe laureado de angelicais propósitos para, pouco a pouco, na sequência, ir apresentando suas garras e mandíbulas. Muitas das vivandeiras que aplaudiram o nascer do ciclo militar, anos mais tarde engrossavam as fileiras compostas por milhões de brasileiros que, tomando as ruas das capitais na memorável Campanha das Diretas-Já, sacramentaram o fim daquele ciclo, lançando-lhe a última pá de terra.

                   Muitos julgavam – santa ingenuidade! – que os militares tomariam de assalto o poder, sanariam as irregularidades, aplicariam a ordem ao caos, expulsariam do poder os comunas totalitários e, limpa e desinfetada a Casa, devolveriam o poder aos civis. Qual! Ledo engano! Terminaram, sim, por reivindicar usucapião do poder. E lá se foram vinte anos de quebra de direitos e de garantias individuais, violações diversas aos direitos humanos, torturas, homicídios políticos, tutela da vontade popular e outras violências repressivas. Que não voltem jamais aqueles anos negros!

                   Caros amigos, não existe ditadura boa. A pior das democracias é melhor que a melhor das ditaduras. Muitas pessoas, desatentas e mal-acostumadas, só valorizam com exatidão a liberdade que usufruem apenas depois de perdê-la. Curioso observar quão parecidos são os fascistas e os comunistas em seus propósitos totalitários, ao defenderem ditaduras purificadoras e redentoras.

                   De tudo isso, aflora o desserviço incomensurável que prestam ao País os políticos corruptos. Desviam do erário bilhões de reais oriundos das economias populares, que seriam aplicados na educação, na saúde, nos transportes, na segurança, em habitações, infraestrutura, enfim, deixam órfãos e desassistidos milhões de brasileiros carentes destes serviços públicos. Bem assim, tais crápulas terminam, ainda, por minar a fé de milhares de pessoas na democracia e em suas instituições, o que, a meu sentir, é muito mais grave. A corrupção generalizada e desenfreada gera o desalento no coração dos homens, a descrença no bem, nos valores morais e na política, a total desconfiança das instituições do Estado, a revolta e a indignação. Resta, portanto, o povo – notadamente os mais jovens, que não vivenciaram os anos de tirania – fragilizado, vulnerável ao canto de sereia das vivandeiras, sujeito ao aliciamento criminoso de aventureiros e ao fascínio por ideologias que se valem da democracia para decretar-lhe a morte.

                   Corrupção não se combate com golpes e com ditaduras. Contra a corrupção, aumentemos a carga e a dose de democracia. Povo nas ruas reivindicando direitos, imprensa livre e atuante, instituições estatais – Poder Judiciário, Ministério Público e polícia – atuando plena e constitucionalmente, voto nas urnas e eleitores manifestando consciente e patrioticamente seu desejo de renovação política. E a democrática Carta Magna de 1988 forte, robusta, rigorosa e fielmente aplicada, respaldando o absoluto Estado de Direito. Tais são as armas genuinamente hígidas e eficazes anticorrupção.

                   E os militares, rigorosamente alheios a todo esse debate, seguem de forma serena, discreta e austera, cumprindo a missão que lhes confere a Lei Maior de garantia dos poderes constitucionais. Acredito que eles, melhor que ninguém, sentiram o peso desgastante do doloroso, mas didático, exercício do poder no transcurso daqueles anos. Citando, uma vez mais, o grande brasileiro Humberto de Alencar Castelo Branco: “Forças armadas não fazem democracia. Mas garantem-na. Não é possível haver democracia sem Forças Armadas que a garantam”.

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