A TERRA É NATURÁ (POEMA DO CEARENSE PATATIVA DO ASSARÉ)
A TERRA É NATURÁ
Patativa do Assaré
Sinhô dotô, meu ofiço
É serví ao meu patrão.
Eu não sei fazé comiço,
Nem discuço, nem sermão;
Nem sei as letras onde mora,
Mas porém, eu quero agora
Dizê, com sua licença,
Uma coisa bem singela,
Que a gente pra dizê ela
Não precisa de sabença.
Se um pai de famia honrado
Morre, deixando a famia,
Os seus fiinho adorado
Por dono da moradia,
E aquêles irmão mais véio,
Sem pensá no Evangeío,
Contra os nôvo a tôda hora
Lança da inveja o veneno
Até botá os mais pequeno
Daquela casa pra fora.
Disso tudo o resurtado
Seu dotô sabe a verdade,
Pois, logo os prejudicado
Recorre às oturidade
E no chafurdo infeliz
Depressa vai o juiz
Fazê a paz dos irmão
E se êle fô justicêro,
Parte a casa do herdêro
Pra cada quá seu quinhão.
Seu dotô, que estudou munto
E tem boa inducação,
Não ignore êste assunto
Da minha comparação,
Pois êste pai de famia
É o Deus de Soberania,
Pai do sinhô e pai meu,
Que tudo cria e sustenta,
E esta casa representa
A terra que êle nos deu.
O pai de famia honrado,
A quem tô me referindo,
É Deus Nosso Pai Amado,
Que lá do céu tá me uvindo,
O Deus justo que não erra
E que pra nós fez a terra,
Êste praneta comum,
Pois a terra, com certeza,
É obra da Natureza
Que pertence a cada um.
Se a terra foi Deus quem fez,
Se é obra da Criação,
Divia cada freguês
Ter seu pedaço de chão.
Munta gente não combina
Esta verdade divina,
Mas um jurgamento eu faço,
E vejo que jurgo bem,
Se eu sou da terra também,
Onde é que tá meu pedaço?
Esta terra é desmedida,
E divia ser comum,
Divia ser repartida
Um taco pra cadaum
Mode morrar sossegado.
Eu ja tenho maginado,
Que abaixo o sertão e a serra
Divia ser coisa nossa,
Quem não trabaia na roça
Que diabo é que quer com terra?
Esta terra é como o Só,
Que nasce todos os dia,
Briando o grande, o menó
E tudo o que a terra cria.
O Só quilareia os monte.
Também as água das fonte.
Com a sua luz amiga,
Potrege no mesmo instante,
Do grandaião elefante
À pequenina formiga.
Esta terra é como a chuva,
Que vai da praia à campina,
Móia a casada, a viúva,
A véia, a môça, a menina.
Quando sangra os nevuêro,
Pra conquistá o aguacêro
Ninguém vai fazê fuchico,
Pois a chuva tudo cobre,
Móia a tapera do pobre
E a grande casa do rico.
Esta terra é como a lua,
Êste foco prateado,
Que é do campo até a rua,
A lampa dos namorado,
Mas, mesmo ao véio cacundo,
Já com ar de moribundo,
Sem amô, sem vaidade,
Esta lua cô de prata,
Não lhe dêxa de sê grata,
Lhe manda quilaridade.
Esta terra é como o vento,
O vento, que, por capricho
Assopra, às vez, um momento,
Brando, fazendo cuchicho,
Outras vez, vira o capeta,
Vai fazendo pirueta,
Rocando com desatino,
Levando tudo de móio,
Jogando arguêro nos óio
Do grande e do pequenino.
Se o orgüioso pudesse,
Com seu rancô desmedido,
Tarvez até já tivesse
Êste vento repartido,
Ficando com a viração
E dando ao pobre o furacão.
Pois sei que ele tem vontade,
E acha mesmo que precisa
Gozá do frescô da brisa,
Dando ao pobre a tempestade.
Pois o vento, o Só, a Lua,
A chuva e a terra também,
Tudo é coisa minha e sua,
Seu dotô conhece bem.
Pra se sabê disso tudo
Ninguém precisa de estudo.
Eu sem escrevê, nem lê,
Conheço desta verdade.
Seu dotô, tenha a bondade
De uvi o que vou dizê.
Não invejo o seu tesôro,
Sua mala de dinhêro,
A sua prata, seu ôro,
O seu boi, o seu carnêro,
Seu repôso, seu recreio,
Seu bom carro de passeio,
Sua casa de morá
E a sua loja surtida,
O que quero nesta vida
É terra pra trabaiá.
Escute o que tou dizendo,
Seu dotô, seu coroné:
De fome tão padecendo
Meus fio e minha muié.
Sem briga, questão, nem guerra,
Meça desta grande terra
Umas tarefa pra eu!
Tenha pena do agregado,
Não me dêxe deserdado
Daquilo que Deus me deu!