A SAUDADE (POEMA DO MARANHENSE GONÇALVES DIAS)
A SAUDADE
Gonçalves Dias
Saudade, ó bela flor, quando te faltem
Coração ou jardim, onde tu cresças;
Vem, vem ter comigo;
Deixa os que te não seguem,
Terás em peito amigo
Lágrimas, que te reguem,
Espaços, em que floresças.
Das pegadas da ausência tu despontas,
Entre as memórias cresces do passado,
Quando um objeto amado,
Quando um lugar distante,
Noite e dia,
Nos enluta e apouquenta a fantasia.
Vem, ó Saudade, vem
A mim também
Consolar de gemidos suspirosos
E de partidos ais!
Oh! seja a punição dos insensíveis
Não te sentir jamais!
Propícia Deusa, e se não fosse a esperança,
Deusa melhor da vida; qu’insensato,
A quem mitigas túrbidos pesares
Haverá tão ingrato
Que te não queime incenso em teus altares?
O presente o que é? – Breve momento
D’incômodo ou desgraça
Ou de prazer, que passa
Mais veloz que o ligeiro pensamento.
Véu escuro,
Que nem sempre a ilusão nos adelgaça,
Nos encobre os caminhos do futuro.
O que nos resta pois? – Resta a saudade,
Que dos passados dias
De mágoas e alegrias
Bálsamo santo extrai consolador!
Resta a saudade, que alimenta a vida
À luz do facho qu adormenta a dor!
Hera do coração, memória dele,
Ò Saudade, ó rainha do passado,
Simelhas a romântica donzela
De roupas alvejantes
Nas ruínas de castelo levantado:
Grinaldas flutuantes,
Que das fendas brotaram,
Movem-se do nordeste
Ao sopro agudo e frio;
Em quanto vendo-o ao longe o senhorio,
De posses decaído,
D’invernos alquebrado,
Recorda triste os anos que passaram!
Em que plagas inóspitas e duras
Não me tens sido companheira e amiga?
Em que hora, em que instante
De folga ou de fadiga
Já deixei de sentir o penetrante
Espinho teu, a repassar-me todo
Dum prazer melancólico e suave?
Pois nasces nos desertos da tristeza,
Ó Saudade, ó rainha do passado!
Quando te falte gleba, onde tu cresças,
Vem, vem ter comigo;
Deixa os que te não seguem,
Terás em peito amigo
Lágrimas, que te reguem,
Espaço, em que floresças!
Entra em meu coração, ocupa-o todo,
Fibra por fibra enlaça-te com ele,
Desce com ele à sepultura; e quando
Jazer eu na eternidade,
Minha flor, minha saudade,
Tu procura a aura celeste,
Rompe a terra, transforma-te em cipreste.
Qu’enlute o meu jazigo;
E ao meneio das ramas funerárias,
Meu derradeiro amigo,
Descanse morto quem viveu contigo.