Minha memória musical é muito fértil, e eu guardo na lembrança canções que eu ouvia minha saudosa mãe, Dona Lia, cantarolar, desde que eu era menina, como esta: “A vida é uma roleta, gira, gira…” Somente anos depois, entendi o significado dessa música.
Na vida, nem tudo são flores. Devemos sorrir para a vida, enquanto a vida nos sorrir.
A roleta da vida gira e para em qualquer ponto, sem nos consultar. A verdadeira paz sonhada é uma utopia.
Onde mora a bandalheira, a paz não chega perto.
Os sistemas querem que os homens consumam o pasto do pão e do circo, que lhes é oferecido com muita generosidade. E que eles fiquem tranquilos, com a barriga cheia de pão e circo.
Onde se instala uma paz de estrebaria, o homem apodrece por dentro.
Paz de estrebaria, feita de pão e circo, de barriga cheia de divertimento, sem nenhum outro ideal. A paz que deixa tudo como está, que ignora a injustiça, que não se importa que alguns tenham sempre mais e que a maioria tenha sempre menos. Esta paz gerada por uma política de pão e circo não é para seres humanos, e sim para animais.
Se você tiver oportunidade de entrar numa estrebaria, não se importe com o cheiro. Veja os bois, as vacas, os cavalos, os porcos. Estão satisfeitos, pois acabaram de receber seu pasto. Estão de barriga cheia e até parecem rir. Não imaginam eles que a barriga cheia é sua perdição. Alguns animais recebem o pasto, para renderem mais no seu trabalho escravo; outros, estão na engorda para morrer.
Deixemos agora a estrebaria e vamos olhar para os homens. E olhando os homens, percebemos o sistema esfregando as mãos. Mais um pouco só e todos estarão transformados em robôs consumidores, gordos, rindo na estrebaria de sua inconsciência.”
É isto que os sistemas querem: que os homens consumam o pasto do pão e do circo que lhes é oferecido com muita generosidade e fiquem ali, tranquilos, sem incomodar, instalados na sua paz de estrebaria.
Viver é uma experiência sublime. Há pessoas que se jogam na grande aventura de viver, enfrentando todos os riscos. Como diz Roberto Carlos.
“É preciso saber viver” (Roberto Carlos – 1974).
Se pedirmos a um cego para descrever-nos um pôr-do-sol, talvez nos admiremos, por ele fazê-lo melhor do que quem não é cego.
Mas ele não pode ter experiência: nunca viu um pôr-do-sol. Entretanto, ele ouviu falar do pôr-do-sol, leu, na sua linguagem, sobre o pôr-do-sol, e por isso consegue transmitir todas as emoções, ao descrever este belo momento do dia.
Carlos Galhardo – Roleta da Vida
A vida é uma roleta
Gira, gira
A sorte é uma mentira
Que logo se desfaz
Uns ganham venturas
Outros amarguras
E troca-se o prazer
Pelo sofrer
Tu foste em minha vida
O pano verde da ilusão
Em ti, como uma ficha
Eu arrisquei o coração
Tive delícias
De mil carícias
Ao começar
O olhar em fogo
Senti o jogo
Me alucinar!
Depois a sorte ingrata
Abandonou o jogador
Perdi no pano verde
O coração e o teu amor
E a roleta, indiferente
Ao meu penar
Prosseguiu, sem descanso
A girar, a girar