Redoma de vidro não protege nadica de nada
Ao longo da minha vida, bem vivida e com ótima infância por sinal, ouvi e acabei aprendendo muita coisa. Cheguei até comer jia, que ainda pegava, para vender para uns padres holandeses que, nos anos 60 chegaram em Fortaleza, com o objetivo de colaborar com a Educação. Mas, uma coisa nunca consegui, por mais pressionado que tenha sido: “engolir sapo” e ficar calado.
E, convenhamos! Após passar incólume por um regime excludente durante 21 anos, de 1964 até 1985, nunca imaginei que, a Constituinte de 1988, conquistada em troca de muitas vidas humanas, fosse tão publicamente desrespeitada, exatamente pelos que, ali colocados, imaginávamos guardiães.
Antes de ir me aconselhar com minha Avó, quero ter a audácia de sugerir aos amigos que comparecem por aqui aos domingos, a leitura de um livro. “Os Onze – o STF, seus bastidores e suas crises”, editado pela Companhia das Letras, escrito pela dupla Felipe Fecondo e Luiz Weber.
Ali, a dupla revela tantas coisas, que poucos acreditam. O que poucos acreditam é que, num país em constante e crescente curva de descrédito, roubalheira, corrupção, desfaçatez, pouca vergonha, e mais uma infinidade de maus adjetivos – mas, justos e cabíveis! – exista em meio a tudo isso, um monstro mais horrendo que Frankstein. É o que mostra a dupla autora do “ex-ce-len-te” livro – porque revelador.
Pois, eis que me arvoro do direito pleno de, querendo mostrar em qual pântano estamos vivendo e sendo obrigados a engolir todo e qualquer tipo de sapo, jia ou rã, antes de sermos devorados pelas cobras que ali sobrevivem.
Supremo Tribunal Federal – haja Justiça!
Transcrevo, ipsis literis:
Página 131: “Era um pedido feito por “Tango”. Na tarde de 15 de abril de 2016, o ofício número 0006/2016 – Gab/VPR chegou à mesa do então secretário de Segurança Pública de São Paulo, Alexandre de Moraes. Despachado do gabinete da vice-presidência da República, o documento informava que o e-mail marcelatemer@terra.com.br fora “raqueado”. A velocidade com que um papel percorre os escaninhos da burocracia varia conforme o remetente. Nos dias que se seguiram à correspondência, 33 policiais da Equipe A da Divisão Antissequestro da polícia paulista foram mobilizados para investigar o caso. No inquérito, apenas uma menção cifrada às vítimas: “Tango e Mike solicitaram proteção”.
No alfabeto fonético adotado pelos policiais, cada letra é associada a uma palavra……….Tango representava o “T”, de Temer, de Michel Temer; Mike, o “M”, de Marcela, a primeira-dama.” Além do e-mail, os arquivos de áudio do WhatsApp haviam sido violados.
“………………..A dois dias da aprovação pelo plenário da Câmara, da abertura do processo de impeachment de Dilma – uma crise germinada com a colaboração do então vice-presidente, que se afastara politicamente da mandatária -, Temer suspeitava da discrição dos canais oficiais à sua disposição – Polícia Federal e Abin. Preocupado com vazamentos e determinado a pôr um fim rápido à chantagem, Tango recorreu, sem intermediários, a Moraes, enviando-lhe o ofício confidencial. Moraes era um híbrido de político e jurista, como o próprio Temer. Passara pelo DEM e pela USP. Eram seres que se reconheciam, embora não íntimos. Em menos de um mês, os envolvidos foram presos e a gravação furtada do aplicativo da primeira-dama nunca apareceu.” (Página 132).
A seguir, na página 133, o que mais me causou “estranheza”:
“A morte de Zavascki catalisou a única nomeação de Temer, que, durante o processo, revelou a aleatoriedade que permeia as indicações ao Supremo – vinculação partidária com o presidente, linhagem jurisprudencial, manifestações acadêmicas anteriores pouco são levadas em conta. “O Alexandre foi a opção natural com a morte de Zavascki. Tinha dado provas de confiança e discrição no caso do hacker e se aproximara do presidente. Só isso”, lembrou um integrante do primeiro escalão do governo Temer, que acompanhou de perto o processo de escolha para o STF do então ministro da Justiça.”
Ainda na página 133:
“A análise das indicações ocorridas após a promulgação da Constituição mostra, até há pouco tempo, um processo de indicação subordinado a cálculos de política menor, a pequenos agradecimentos, idiossincrasias do presidente, ao marketing político, a padrinhos poderosos, à confiança pessoal do presidente da República na pessoa e não no perfil de quem será o julgador. Isso reduzia quase à insignificância as avaliações sobre o poder das decisões de um ministro do STF para interferir na sociedade.”
Diante de tudo isso (claro que, aqui se trata apenas de um texto provavelmente opinativo interpretado pelos autores, sem deixar de lado os fatos. Fatos verídicos.
Ora, e o que estou pretendendo dizer com isso? Nada.
Apenas dizer que a redoma é de vidro. E, não sendo blindado (por uma gama de contraposições mostradas e, principalmente, pelos fatos estapafúrdios que acontecem desde janeiro de 2019), pode quebrar. E, vê-se que, apenas um cabo e um soldado podem quebrar. Sem tanta força ou trabalho.
Agora, se voltarmos um pouco a fita desse filme que virou pornochanchada, sequer teremos o direito de nos surpreender, pois, Joaquim Barbosa “nos avisou” em várias oportunidades que “aquilo ali” jamais seria uma “instituição onde se faz Justiça”.
Enquanto “falta dinheiro” (e isso nada tem com o Governo Bolsonaro) para impulsionar com a qualidade necessária a pesquisa científica que possa honrar e justificar as nossas universidades – “Os Onze” ainda revela que, cada “Excelência” dispõe naquele “muquifo”, de elevador privativo. São onze “Excelências”, cada um com um elevador privativo, programado para abrir a porta apenas para entrar e sair do gabinete “excelencial”, ou, no salão de sessões. Auxiliares, tantos quantos queiram e solicitem. Veículos com placas camaleônicas – que mudam quando saem do local onde deveriam trabalhar – para não serem flagrados ou identificados.
Vovó, com certeza perguntaria: “Mais menino, se tudo é legal, é feito com toda Justiça e clareza, tudo direitinho, e à luz da Constituição, pra que essas preocupações?”
Pior que isso, é que, aquela conversa de “notável saber jurídico e nada, é a mesma coisa”!