Meia hora antes de os holofotes se acenderem, os últimos retoques no batom vermelho dão cor ao sorriso do artista. Em instantes, ele fará dezenas de adolescentes rirem enquanto mostra como encarar da melhor forma um problema diário na vida dos jovens: o bullying . É o ator
Willy Costa, de 33 anos, quem dá vida ao palhaço Balofo, uma figura estabanada que ensina respeito durante a apresentação em escolas de Ceilândia e Samambaia.
Usando roupas apertadas e sapatos enormes, o palhaço mostra, com bom humor, como superar as situações de agressão e preconceito. Com a ajuda dos alunos, ele apaga, de um quadro no palco, ofensas, como “gordo” e “porco rosa” e substitui pela palavra “respeito”. Ao longo dos cerca de 40 minutos de apresentação, interage com a plateia, rola no chão e dança.
Por trás da palhaçada, estão as experiências do ator com bullying. O próprio nome artístico nasceu de provocações de colegas. Nascido José Francisco Nunes, foi por muito tempo alvo de piadas. “Eu sempre fui um cara gordinho, pobre, morador da periferia e era muito xingado na escola, mas nunca vi isso como um problema. Eu tinha uns 9 ou 10 anos quando começaram a me chamar de Willy, por causa do filme Free Willy”, recorda.
O menino, que até então não conhecia a orca mais famosa do cinema, resolveu assistir e se encantou com a personagem. “Achei bacana, era como se dissessem que eu era um artista de Hollywood. Comecei a brincar com isso e me encontrei no riso. Foi assim que adaptei meu nome e acrescentei o sobrenome da minha mãe como homenagem”, explica.
Nem sempre, no entanto, o bullying contra ele foi apenas verbal. Quando tinha 9 anos, Willy foi apedrejado dentro da escola por colegas que o xingavam. “Eu encontrei no palhaço a possibilidade de passar uma mensagem bacana, de não ficar no lugar do coitado, mas do empoderado. O projeto pega essa figura que me permite mostrar as minhas fragilidades e defeitos fazendo um convite não para que as pessoas riam de mim, mas comigo”, afirma.
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Willy Costa se transforma no palhaço Balofo: a leveza para falar de um tema pesado, que é o bullying
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Paula: "O palhaço se expõe, mostra potências e impotências e convida a rir e transcender"
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Nas escolas
Balofo nasceu em 2003, no Galpão do Riso, um espaço cultural de Samambaia que recebe coletivos de artistas. Hoje, estão todos engajados no projeto Balofo nas Escolas. A atriz e mestre em artes cênicas Paula Sallas, 31, também faz parte do espetáculo. Antes da performance de Willy, ela sobe ao palco e inicia um bate-papo com os estudantes sobre o preconceito. “É uma coisa que antes não tinha esse termo em inglês, mas que sempre aconteceu. O palhaço vem no contrafluxo. Ele mesmo se expõe, mostra potências e impotências e convida a rir e transcender”, descreve.
Segundo ela, muitos jovens procuram o grupo depois das apresentações para contar situações que enfrentaram. “Tivemos muitos alunos emocionados, chorando enquanto a gente fala sobre aceitação da diversidade. Muitos falam com a gente na surdina. Sabemos que é difícil ser adolescente, é um momento em que qualquer coisa que você disser em público pode lhe transformar em alvo de chacota”, relata. “Ao menos três pessoas sempre estão envolvidas nessas agressões: o causador, a vítima, e a pessoa que perpetua aquilo. Quem passa adiante está compactuando com o bullying”.
Para o vice-diretor do Centro de Ensino Média 4 (CEM 4) de Ceilândia, Washington Luiz dos Santos, os artistas foram mais do que bem-vindos. “Acho que o projeto contribui de maneira palpável aos alunos”, declara. “A escola vem trabalhando a questão, e a gente tem uma preocupação muito grande em relação a isso. Quando identificamos algum caso, chamamos as partes envolvidas e, se necessário, os pais também”. Ele conta que, por vezes, as provocações terminam em brigas, e que por isso, é preciso atenção tanto da escola quanto da família. “O bullying começa de maneira suave e vai ganhando aspectos pejorativos”, conclui.
Amadurecimento
Só quem foi alvo sabe o impacto do bullying. Para a jovem Mikaelly dos Santos, de 16 anos, ele veio como racismo. “Ouvi muitas pessoas falarem que, por eu ser negra, sou inferior, ou colocando apelidos que machucam muito. A gente não demonstra quando acontece, mas chega em casa e chora, pede para sair da escola”, narra a menina. Aluna do 2º ano no CEM 4 de Ceilândia, ela sorri hoje ao dizer que encontrou apoio nos amigos.
“Com eles, eu sou mais feliz do que sozinha. Juntos, a gente age quando vê alguém sendo xingado ou quando escuta as pessoas destratando alguém”, diz. O colega dela Vinicius de Sousa, 16, ensina: não adianta rebater o deboche dos outros. “Me chamavam de narigudo, tucano, mas eu prefiro ficar na minha. Para que responder quem só quer fazer o mal?”, pondera.
A paciência, no entanto, não é sempre possível, como relata o amigo deles, Kleberson Gomes, 16. Quando tinha 12 anos, ele cansou de ouvir colegas zombando das roupas e dos tênis rasgados que usava e entrou em uma briga, o que lhe rendeu uma transferência de escola. “No começo, a gente era amigo, mas eles acharam que por isso poderiam me expor e eu não ligaria. Ninguém tem o direito de invadir a intimidade do outro”.
Hoje, sabendo das consequências, ele vê que amadureceu com o tempo. “Quanto mais você se importa, mais eles atacam. Bullying nada mais é do que uma forma de o agressor fugir de um problema descontando em outra pessoa”, afirma.
Agressões
O termo em inglês faz referência a atitudes agressivas, verbais ou físicas praticadas repetidamente por agressores, causando dor, angústia e intimidando vítimas que não têm a possibilidade de se defender.