» Ana Maria Pol
Da mesma forma que o inverno é comumente associado ao recolhimento, ar seco, frio e intimismo, a primavera está para o crescimento, florescimento e harmonia. Para aqueles que preferem a estação das cores, é tempo de observar os animais polinizadores, como os beija-flores e as abelhas, que aumentam suas atividades, e fazem crescer o ciclo reprodutivo dos vegetais. Mas, apesar dos favoritismos sazonais, é fácil notar que as mudanças que surgem com as estações têm impacto, também, sobre o humor e comportamentos do ser humano.
De acordo com a psicóloga e professora do Centro Universitário de Brasília (Ceub), Valéria Mori, a primavera vem carregada de um simbolismo que impacta a transformação de vida de algumas pessoas. “Essa estação tem sido representada como o novo. E nós precisamos, muitas vezes, desses símbolos para poder olhar para a vida de um novo lugar, de uma forma diferente. Então esses recursos da natureza facilitam que a gente gere produções simbólicas e emocionais que são facilitadoras, por exemplo, da concretização de planos e da imaginação de novos planos na vida, da aspiração de mudança”, explica.
Segundo Valéria, à priori, a mudança não significa, necessariamente, algo bom ou ruim. “Ela depende da forma que a gente lida com as transformações que fazem parte do viver a vida. A mudança mobiliza, no cotidiano, processos em nós que são extremamente contraditórios e que muitas vezes nos impedem de dar passos em um primeiro momento. Mas essa mesma transformação pode ser introduzida em um caminho que é surpreendente, novo”, diz.
Para a psicóloga, não há fórmula de como o momento deve ser bem vivido. Viver bem, nas palavras dela, implica reconhecer que a vida tem momentos contraditórios, às vezes difíceis, mas também de alegria e prazer. Segundo Valéria, é fundamental sair da ideia de que existe uma felicidade a ser alcançada. "Ela está nos detalhes", esclarece. De acordo com Valéria, as estações do ano mostram isso. “Temos a época das flores, que, em determinado momento, secam e se transformam em outras coisas. Penso que assim é a vida, o cotidiano. Ele é feito de pequenos momentos e alegrias, e que implicam no engajamento e em viver esse cotidiano de uma forma não idealizada. Que eu viva segundo aquilo que ela me apresenta e naquilo que eu reconheço nela”, completa.
Novo sentido
Para a técnica em medicina tradicional chinesa e doula Agne Harizza Satiya Narcizo, 29 anos, os sentidos humanos estão interligados às fases do ano e, no caso da primavera, não é diferente. “O inverno está ligado à água e aos rins; o verão ao coração e intestino delgado; o outono ao metal, pulmão e intestino grosso; e temos a primavera, que está diretamente relacionada ao fígado e vesícula biliar, que tem ligação com o elemento madeira, responsável pelos tendões, e com útero, ou seja, com o renascimento, o brotar da semente, o ímpeto”, diz.
De acordo com Agne, na cultura chinesa, o coração faz menção à figura de imperador, e o fígado faz o papel do general, que executa ordens. Quando está desregulado, tem a ver com a raiva, a expressão dele é o "grito", segundo ela. "É preciso fazer o sangue correr nos locais certos, e a primavera é o momento de fortalecer os órgãos, é nela que começamos a plantar para colher depois”, diz. Apesar de poético, Agne diz que é dessa teoria que surge a ideia de que a primavera é tempo novo. “Ela (primavera) vem com a proposta de nascimento, de preparar o terreno e deixá-lo firme para conseguir sobreviver ao inverno”, pontua.
Toda essa ideia vem do conceito de Ying Yang, princípio da filosofia chinesa que visa o equilíbrio entre as forças opostas e, de acordo com a técnica em medicina tradicional chinesa, a primavera dá a oportunidade de a pessoa tentar equilibrar questões pessoais e sentidos. “Trabalhar com o que eu gosto, por exemplo, adianta muito a minha vida", diz. Ela diz que as pessoas que não conseguem sair do trabalho por algum motivo, é preciso buscar esse prazer de outras formas, em busca do equilíbrio emocional e físico.
Praticante da medicina oriental há cinco anos, Agne conta que, em seu caso, procura viver o equilíbrio por meio da calmaria, ao cuidar de suas plantas e observar o que a estação traz de novo. Conforme sua fala, a primavera mostra a ela a importância de fazer as coisas com calma. Até chegar à fase de florescer, a semente e a árvore passaram por um processo. A estação, de acordo com ela, mostra que não adianta acelerar ou atrasar processos, o tempo corre como deve. “Sou doula, preciso saber respeitar os processos”, afirma.
Saúde
As mudanças advindas da primavera também interferem, diretamente, na saúde corporal das pessoas, conforme explica a terapeuta ayurvédica Ariadne Hamamoto, 29. “O primeiro fator que vai influenciar o corpo e saúde é o passar do tempo e o ambiente onde se vive”, afirma. Esse local possui qualidades e características físicas que se transformam com o passar das estações e causam certa influência na saúde corporal, ela explica. Para manter o corpo em dia, a terapeuta dá a dica: “Preste atenção na fome em relação ao clima, por exemplo. Quando está quente, nossa capacidade digestiva fica mais fraca, então devemos comer alimentos mais leves e equilibrar de acordo com o ambiente. Já no frio, há retenção de calor no corpo, então ficamos com maior capacidade de digestão. Ou seja, pode-se comer alimentos mais pesados”, exemplifica.
Ariadne explica que a Ayurveda é um conhecimento de origem indiana, que busca manutenção do equilíbrio do indivíduo consigo, com a natureza e com os outros seres. Conhecido como o mais antigo sistema de saúde de que se tem notícia, a terapia ayurveda incentiva, como tratamento para alguma doença ou sintoma, a mudança de estilo de vida. “É feita uma análise personalizada com o paciente, em que considera-se idade, lugar onde nasceu, onde ficou doente, qualidade e estilo de vida, qual rotina e dieta, sintomas apresentados, há quanto tempo eles surgiram”, pontua.
De acordo com a terapeuta, o equinócio da primavera — fenômeno astronômico em que a luz solar incide da mesma forma sobre os dois hemisférios, fazendo com que os dias e as noites tenham a mesma duração — é um marco importante e afeta, diretamente, o funcionamento do corpo dos indivíduos. Isso porque exemplifica um momento de transição. “A primavera sucede o inverno, período que ficou muita coisa guardada. Então é um momento de impulso, criação, potencial e expansão de energia. É um bom período para aprender coisas diferentes, realizar projetos”, completa.