São Sebastião é uma das cidades mais pobres do quadrado. A renda média domiciliar é de R$ 2,6 mil (PDAD/2021). Ao mesmo tempo, uma das mais ricas em histórias, lendas e movimentos culturais. O mais espetacular de tudo é a paisagem: quem chega pela DF 473, desce um vale gigantesco, com o Morro da Cruz adiante e chapadões monumentais ao fundo (chamar chapadões de monumentais chega a ser uma redundância).
Preciso chegar à Praça do Reggae, uma das mais conhecidas em São Sebas mas, como sempre acontece, meu GPS cai nas quebradas. Peço ajuda a um moço que come pastel com caldo de cana num quiosque. Ele põe o copo no balcão, segura o pastel no ar e me ensina com toda a paciência do mundo a entrar naquela rua, virar à direita, depois virar à direita de novo e ir reto toda vida. O GPS humano é muito mais eficiente que o virtual e é cortês.
Para chegar à Praça do Reggae tem de pegar a Rua da Ponte. E é quando surge a Ponte JK, não a verdadeira, mas uma miniatura comovente, brasileira, ingênua e jocosa ao mesmo tempo. A ponte sobre o córrego não tem 50 metros. É bordejada dos dois lados por arcos que nem os da Terceira Ponte. Todos de concreto, até os cabos imitam os cabos de tensão da ponte rica.
Chego à Praça do Reggae, uma das mais famosas de São Sebas. É muito conhecida na cidade por conta dos encontros da moçada que curte o ritmo jamaicano. Está meio maltratada, a praça. Uma das pichações pede: “Mulher, seja valente”.
A outra praça famosa (e ponto turístico da cidade) é a Praça Tião Areia. O GPS nem tchum. Peço ajuda a um motoboy. Com paciência incomum numa cidade grande, o moço me ensina a ir até o final da Rua da Ponte, virar à esquerda, à direita, depois à direita de novo, depois… Agradeço com um Deus lhe pague e sigo pelas ruas tortuosas de São Sebastião até cair num setor de chácaras e parar diante de uma viatura da PM.
Um policial todo de preto se aproxima e eu vejo que o parceiro dele está abordando um motoboy com um baú tomado de adesivos do Lula. Pergunto ao jovem PM como faço pra chegar à Praça Tião Areia, o GPS me levou pra aquele lugar. O policial parece não duvidar de mim. E, tal qual os dois civis, tenta me ensinar com presteza a chegar ao meu destino e pede que eu saia daquela região – “aqui tem muito craqueiro”.
Depois de entrar numa contramão e assustar o motorista que vinha na mão certa, consigo chegar à Praça Tião Areia (não sei como, só sei que quando vi estava diante da placa marrom indicando o ponto turístico). A pracinha é encantadora: flamboyants em plena florescência, uma bicicleta velha encostada num banco, dois homens contando aventuras de viagens pelo sertão, letreiro de Eu amo SS (iniciais de São Sebastião).
Tião Areia, que dá nome à praça, é um candangos dos mais incríveis que conheci. Conta histórias fabulosas da intensa e dura vida que viveu desde que saiu de casa, aos 15 anos, e veio tirar areia do fundo dos rios e fazer tijolo para as obras de Brasília, em 1959. Ainda há ruínas das olarias em São Sebas.
Mais adiante, paro em frente a uma farmácia e um bêbado se aproxima da janela do carro: Com licença, posso pedir pra senhora votar em Bolsonaro? Não. Ele sai mais trôpego ainda. Como um pastel com caldo de cana no quiosque em frente ao posto de saúde, pego a estrada de volta, passo pela Ponte JK com seus arcos monumentais e sua engenharia audaciosa, e penso nos arcos em miniatura da Rua da Ponte, em São Sebastião. A ponte soberana sobre o Lago Paranoá e a pontezinha sobre o córrego, alegoria divertida das riquezas extravagantes de um Brasil rico e avarento.