Há décadas, o fogão de nossa casa, em Nova-Cruz, era “inglês” e à lenha. Fogão a gás era utopia. Dona Lia, minha saudosa mãe, comprava um caminhão de lenha seca, quando precisava, e aguardava que Mendonça, o lenhador, viesse cortá-la em pequenos toros. Era um dia inteiro de um trabalho braçal, muito árduo, com almoço e um pequeno intervalo.
Mendonça era um homem alto e corpulento. Uma vez por outra, ouvia-se um baque enorme, e íamos todos ver o que tinha acontecido. Encontrávamos Mendonça caído no quintal, perto da lenha, e se debatendo, com a boca espumando, num ataque de “epilepsia”. Era uma cena chocante. e minha mãe não permitia que ele continuasse o trabalho nesse dia. Às vezes, ele insistia, dizendo que estava bem, e depois de algumas horas, continuava o trabalho, sem qualquer complicação. Era um homem forte e tinha a força de um animal. Era calado e quando falava, demonstrava ser um homem que tinha muita fé em Deus.
Certo dia, Dona Lia pediu-lhe para substituir umas telhas quebradas, no telhado da nossa casa. Mendonça providenciou uma escada e foi fazer o serviço, levando as telhas novas. Depois de alguns minutos, desceu a escada, chamando alto pela patroa.
O homem tremia mais do que vara verde! Quase não podia falar, de tão nervoso. Dona Lia, que era muito destemida, perguntou:
– O que aconteceu, Mendonça? Porque você está tremendo deste jeito?
Gaguejando e muito trêmulo, Mendonça falou:
– Dona Lia, pela caridade!!! -Em cima da casa da senhora, tem um “CATIMBÓ”!!! Virgem Maria! Não gosto nem de falar nisso!!!
Minha mãe, que não acreditava em “CATIMBÓ” nem FEITIÇARIA, deu uma risada e procurou acalmar o lenhador:
– Mendonça, o poder de Deus é maior do que tudo isso! “CATIMBÓ” não existe! Quer saber de uma coisa? Vá buscar o “CATIMBÓ”, que eu quero ver!
O homem, desesperado, quase chorando, implorou a Dona Lia que não quisesse, nem ao menos, ver o “CATIMBÓ”. Mas ela insistiu e ele subiu a escada novamente, para pegar o “trabalho feito”, que estava em cima da casa.
A nossa expectativa foi grande, até que Mendonça desceu novamente a escada, trazendo o “CATIMBÓ”. Era uma pequena trouxa, amarrada com um terço velho.
Minha mãe ordenou que ele desmanchasse o nó e abrisse o “CATIMBÓ”. Trêmulo, o homem sentou-se num batente do quintal e obedeceu à patroa. Desamarrou a trouxinha, que continha areia, pimenta malagueta e três terços quebrados. Mendonça, quase sem poder falar, garantiu que aquela areia era do cemitério. Propôs a Dona Lia jogar querosene no “CATIMBÓ” e tocar fogo.
A patroa, que era muito corajosa e espirituosa, mandou que Mendonça retirasse de dentro da trouxinha as pimentas malaguetas e as lavasse muito bem lavadas, pois iria usá-las para fazer um molho. O resto da trouxinha, ele podia jogar no lixo.
Mendonça, contrariado, lavou as pimentas com água da cisterna e pôs em uma vasilha que lhe foi entregue por Dona Lia. Minha mãe tornou a lavá-las, agora com água e sabão. Depois de tudo, colocou as pimentas em um vidro, com vinagre e azeite de oliva.
Estava feito um molho, para quem tivesse coragem de usar…
Dona Lia detestava molho de pimenta…