Júlio Dinis
«Oh! vem, querida irmã, do santuário do templo, Já
desce a receber-te o celestial Esposo.
Vem ser da nossa fé sublime o vivo exemplo; Vem, deixa sem pesar do
mundo o falso gozo.
«Vem; dos círios à luz, ao som de alegres hinos, Cinge o
hábito escuro, emblema da humildade,
E, abrasada no ardor dos teus estos divinos,
Despe, ao entrar no claustro, as galas da vaidade,
«Esposa do Senhor, virgem cândida e pura, Do teu noviciado expiram
hoje os dias.
Não tremas ao fitar as portas da clausura; Também na estreita
cela há brandas alegrias.»
Assim das monjas soa o religioso canto: Juntas, em procissão pelas extensas
naves,
Espalham-se na igreja as vozes do hino santo, Melancólica voz de aprisionadas
aves.
Caído o longo véu por sobre a fronte airosa
Caminha lentamente a pálida noviça;
Nos olhos lhe fulgura uma aura misteriosa,
Um como cintilar de lâmpada mortiça.
Sobre os degraus do altar humilde se ajoelha
E ao culto fervorosa as trancas sacrifica.
«Recolhe-te ao redil, imaculada ovelha,
Teus tesouros d’amor nas aras santifica.»
E o coro ergue outra vez o ritual hosana,
Entre nuvens de incenso, à voz do órgão sagrado; Responde-lhe
o rezar da multidão profana,
Que transpôs curiosa o pórtico elevado.
A cerimônia é finda; a monja de joelhos
Permanece, inclinada a face sobre a terra;
Era no ocaso o Sol; e seus clarões vermelhos
Vinham tingir o altar, tingindo ao longe a serra.
Longo tempo ali esteve, as pálpebras descidas. Imóvel, silenciosa,
em êxtase absorta.
Ergueram-na afinal as monjas comovidas: Doloroso mistério… a pobre
estava morta!