A NOIVA
Júlio Dinis
(Grafia original)
Mal as regiões do oriente
A luz da manhã tingia,
Já ao cristalino espelho
A linda noiva sorria,
E a alva flor da laranjeira
Ao véu de neve prendia.
A noite passara à vela
E que noiva a dormiria?
E ao desmaiar das estrelas,
Alvoroçada se erguia.
E a alva flor da laranjeira
Ao véu de neve prendia.
Depois, ligeira, impaciente, Chegava-se à gelosia
A ver se o sol já dourava
Os cimos da serrania,
E a alva flor da laranjeira
Ao véu de neve prendia.
De quando em quando chorava… E o que chorar a fazia?
Saudades do que passara? Terrores do que viria?
E a alva flor da laranjeira
Ao véu de neve prendia.
Mas são lágrimas de noiva, Um só beijo as secaria,
São como gotas de orvalho
Quando o Sol as alumia;
E a alva flor da laranjeira
Ao véu de neve prendia.
Que longo porvir d’amores, Que futuro de poesia,
Que palácios encantados
Lhe pintava a fantasia,
Quando a flor da laranjeira
Ao véu de neve prendia!
E ao casto leito de virgem
Dentro da alcova sombria,
A noiva, de quando em quando,
Inquieta os olhos volvia;
E a alva flor da laranjeira
Ao véu de neve prendia.
Por entre o rosai florido, Que o balcão lhe entretecia As avezinhas
cantavam
Com festiva melodia.
E ela a flor da laranjeira
Ao véu de neve prendia.
Alto ia o Sol, resplendente
Na manhã daquele dia,
Cuja noite… Esta lembrança
Da noiva as faces tingia;
E a alva flor da laranjeira
Ao véu de neve prendia
A mãe, vendo-a tão formosa, Julgava um sonho o que via, Que
o vestido de noivado
As graças lhe encarecia,
E a alva flor da laranjeira
Do véu de neve pendia.
Vêm as irmãs, que a contemplam
Com inveja, eu juraria: Ela baixa os olhos, cora,
O que mais bela a fazia,
E a alva flor da laranjeira
Do véu de neve pendia.
Junto delas, perturbada, Quase nem falar podia;
So as mães bem compreendem O que a noiva então sentia, Quando
a flor da laranjeira
Do véu de neve pendia.
As horas passam tão lentas! E o coração lhe batia,
A mãe chorava, coitada, Com saudades o fazia;
E a alva flor da laranjeira
Do véu de neve pendia.
A sala já estava cheia; A noiva achava-a vazia,
Que entre tantos convidados
Ainda o noivo se não via;
E a alva flor da laranjeira
Há muito do véu pendia!
Passa a manhã, e não chega! Não chega, e é já
meio-dia! Nas varandas, nos eirados,
Se dispersa a companhia; E a alva flor da laranjeira Há tanto do véu
pendia!
O rosto da bela noiva
Cada vez mais se anuvia,
Não sei que voz misteriosa
Desgraças lhe pressagia;
E a alva flor da laranjeira
Inda do véu pendia.
Fenece a tarde. Eis a noite, Hora de melancolia.
No rosto dos convidados
Desassossego se lia,
E a alva flor da laranjeira
No véu da noiva tremia.
Tudo é silêncio. A coitada
Uma estátua parecia…
Tão pálida como mármore,
Como ele imóvel, fria;
Só a flor da laranjeira
No véu da noiva tremia.
Abrem-se as portas. «É ele!» Disse toda a companhia:
Porém ilusória esperança! Um pajem só aparecia:
E a alva flor da laranjeira
Do véu da noiva caía.
Tristes novas traz o pajem, Que triste o rosto trazia;
Fêz-se um silêncio profundo
Entanto que ele as dizia,
E a alva flor da laranjeira
Inda por terra jazia.
Dispam-se as galas da festa, Calem-se os sons da alegria, Que morto em cruel
combate O noivo… Um grito se ouvia, Junto à flor da laranjeira,
A noiva no chão caía..
Cercam-na todos… debalde, O seio já não batia;
Aquela mimosa planta
Sem alentos sucumbia,
Como a flor da laranjeira,
Derrubada ali jazia.
Mal sabia a pobre noiva Pra que bodas se vestia! Mal sonhava a desposada
Que a morte esposar devia! Quando a flor da laranjeira Ao véu da neve
prendia.
Com as vestes do noivado Para o sepulcro ela se ia; Em vez do rubor da noiva
A palidez da agonia
E a alva flor da laranjeira
Do véu de neve pendia.
Tantos sonhos que sonhara!… Tanta esp’rança que nutria!… Por
esposo tinha a morte,
Por tálamo, a lousa fria, E a flor da laranjeira
Com ela à campa descia.