Gonçalves Dias
Noite, melhor que o dia, quem não ama,
Quem não vive mais brando em teu regaço!
Eu amo a noite solitaria e muda,
Quando no vasto céo fitando os ollios,
Alem do escuro, que lhe tinge a face,
Alcanço deslumbrado
Milhões de sóes a divagar no espaço,
Como em salas de esplendido banquete
Mil tochas aromaticas ardendo
Entre nuvens d’incenso!
Eu amo a noite taciturna e quêda!
Amo a doce mudez que ella derrama,
E a fraca aragem pelas densas folhas
Do bosque murmurando:
Então, máo grado o véo que involve a terra,
A vista do que vela enxerga mundos,
E apezar do silencio, o ouvido escuta
Notas de ethereas harpas.
Eu amo a noite taciturna e quêda!
Então parece que da vida as fontes
Mais faceis correm, mais sonoras soão,
Mais fundas se abrem;
Então parece que mais pura a brisa
Corre, — que então mais funda e leve a fonte
Mana, — e que os sons então mais doce e triste
Da musica se espargem.
O peito aspira sofrego ar de vida,
Que da terra não é, qual flôr nocturna,
Que bebe orvalho, elle se embebe e ensópa
Em extasis de amor:
Mais direitas então, mais puras devem,
Calada a natureza, a terra e os homens,
Subir as orações aos pés do Eterno
Para afagar-lhe o throno!
Assim é que no templo magestoso
Rebôa pela nave o som mais alto,
Quando o sacro instrumento quebra a augusta
Mudez do sanctuario:
Assim é que o incenso mais direito
Se eleva na capella que o resguarda,
E na chave da abobada topando,
Como um docél, se expraia.
Eu amo a noite solitaria e muda;
Como formosa dona em regios paços,
Trajando ao mesmo tempo luto e galas
Magestosa e sentida;
Se no dó attentais, de que se enluta,
Certo sentis pezar de a ver tão triste;
Se o rosto lhe fitais, sentis deleite
De a ver tão bella e grave!
Considerai porêm o nobre aspecto,
E o pórte, e o garbo senhoril e altivo,
E as fallas poucas, e o olhar sob’rano,
E a fronte levantada:
No silencio que a véste, adorna e honra,
Conhecendo por fim quanto ella é grande,
Com voz humilde a saudareis rainha,
Curvado e respeitoso.
Eu amo a noite solitaria e muda,
Quando, bem como em salas de banquete
Mil tochas aromaticas ardendo,
Girão fúlgidos astros!
Eu amo o leve odor que ella diffunde,
E o rorante frescor cahindo em per’las,
E a magica mudez que tanto falla,
E as sombras transparentes!
Oh! quando sobre a terra ella se estende,
Como em praia arenosa mansa vaga;
Ou quando, como a flôr d’entre o seo musgo,
A aurora desabrocha;
Mais forte e pura a voz humana sôa,
E mais se accórda ao hymno harmonioso,
Que a natureza sem cessar repete,
E Deos gostoso escuta.
(Grafia original)