A MORTE
Coelho Neto
Todos se acercaram do leito e ele, estranhando, talvez, o rosário de corações que assim o cingia, relanceava em volta lento, interrogativo olhar de espanto.
Por vezes crispava-se-lhe, de leve, o rosto como se frisa com a aragem a superfície da água; as mãos moviam-se-lhe inquietas, contraindo, distendendo os dedos; o peito arfava-lhe opresso como se sustentasse um peso esmagador.
Silêncio trágico continha a todos, suspensos.
Que haveria? Por que tão atento o fitava o médico tomando-lhe obstinadamente o pulso?
Eu sentia um perigo. Parecia-me vê-lo à beira de um abismo que ele tivesse de atravessar sobre estreita ponte frágil.
De repente, agitando-se, abrindo um olhar imenso, perguntou em voz surda:
— Que horas são?
Alguém respondeu baixinho, entanto a resposta soou forte no silêncio, como pancada em lâmina metálica: “Sete!”
Ia-se a tarde em desmaio melancólico, já agasalhada em sombras.
Por que teria ele feito tal pergunta? Que teria visto? Os prenúncios, talvez, da noite primitiva, a noite que se fecha para o sempre, noite vazia, silente, sem astros, sepultura da luz.
O coração retransiu-se-me apertando, o fôlego sustou-se-me na garganta e meus olhos, como atraídos, voltaram-se para o oratório buscando a cruz de bronze, relíquia de Jerusalém, sacrossanto sinete que tem selado para a Eternidade todos os mortos da minha família.
E as lágrimas borbulharam-me no coração, senti-as subirem-me aos olhos, a jorros violentos, e tive forças para contê-las.
Súbito o silêncio estalou em pranto como um vaso hermeticamente fechado que se fizesse pedaços derramando todo o líquido contido.
Tombei de joelhos junto do leito agarrando-me desesperadamente ao corpo que se imobilizava.
Tudo cessara e o olhar, que ele ainda mantinha fito em nós, extático, não tinha luz: era como o morrão que fica ardendo nos círios e que, pouco a pouco, envolto em fumo, vai-se extinguindo, até de todo se apagar.
Alguém chamou por ele, em pranto.
Ai! de nós...
Às pedras deu-lhes Deus o eco para responderem a quem lhes brada e ao que morre tudo se vai, não fica, sequer, um pouco de som para a suprema palavra de um adeus.
É um caixão que se fecha. Nada mais.