Entretanto, há mentiras necessárias, quando a finalidade é poupar ou amenizar o sofrimento de alguém que se encontra em estado precário ou terminal de saúde. Nesses casos, a mentira se torna um mal necessário. Pode ser considerada um “pecado venial.”
Pois bem. Nicanor acabava de fechar os olhos da esposa Minervina, que há dias se encontrava no leito de morte, com uma doença terminal. Nos seus últimos momentos, a moribunda ouviu dos lábios do marido, a notícia mais feliz, que poderia ouvir naquela hora: A total regeneração do seu neto Edu, viciado em tóxico, que havia abandonado, há mais de um ano, a casa dos pais.
O homem lançou mão de uma mentira, pensando em amenizar os últimos momentos de vida da sua mulher, uma verdadeira santa, cheia de virtudes e sofrimento.
Muito abalado pela emoção da partida da esposa, Nicanor desabafou com o motorista do táxi, no qual se dirigia à funerária, para providenciar o velório e sepultamento..
Contou ao motorista a mentira de que lançara mão há alguns minutos, para suavizar a morte da sua mulher, cujo maior desejo era ver o neto livre das drogas:
– Tenho certeza de que Deus me perdoou. Sussurrei ao ouvido dela que o nosso neto tinha se curado do vício e já estava em casa. Ela abriu os olhos, deu um leve sorriso, e deixou escorrer uma lágrima, antes do último suspiro.
Percebendo a perplexidade do motorista, Nicanor continuou:
– Conheci um piedoso monge, cuja vida se resumia em rezar e cultivar o jardim do Mosteiro onde morava. Era um jardineiro de almas e flores. Passava as manhãs de joelhos, no silêncio do Mosteiro, aos pés do Cristo Crucificado, e as tardes no pequeno jardim da ordem, curvado diante das roseiras que ele próprio plantava e regava.
O monge perseguia uma ideia fixa, de ver desabrochar no seu jardim a rosa azul do Oriente, de que tivera notícia, uma noite, ao ler os poemas latinos dos velhos monges medievais.
Para isso, casava as sementes, juntava os brotos, fundia os enxertos, combinando as terras com que os cobria, e as águas com que os regava. Esperava, ansioso, o aparecimento, no topo da haste, do sonhado botão azul.
Ao fim de setenta anos de experiências e sonhos, em que se misturavam, na sua imaginação, as chagas vermelhas de Cristo e as manchas celestes da sua rosa encantada, surgiu, afinal, no coroamento de um galho de roseira, um botão azul como o céu.
Centenário e curvado, o velho monge não suportou a emoção. Adoeceu e foi levado ao seu quarto. Ajoelhado diante do Cristo Crucificado, lhe pedia entre soluços pungentes, que, como premio à sua vida de dedicação às roseiras e às almas, não lhe cerrasse os olhos, sem que eles vissem, felizes, o desabrochar da sua rosa azul.
Ao redor do seu leito, todos choravam, emocionados.
Divulgada de boca em boca, a notícia chegou a um convento das proximidades, onde se encontrava orando uma bondosa freira. Ao ouvir a história da paixão do santo monge pela rosa azul do Oriente, a freira se compadeceu e perfumou, com essência de gerânio, uma flor de seda azul, feita por ela mesma, para ofertar ao monge, no seu leito de morte.
No dia seguinte, pela manhã, morria o monge, sorrindo entre lágrimas de alegria, pensando ter entre as mãos a sua rosa azul, com que sempre sonhara, brotada de uma das roseiras plantadas e regadas por ele.