A MENINA DO SINAL
As televisões anunciam o jornal das oito. A avenida, já um pouco menos lotada de automóveis, de pedintes e de lavadores de para-brisas. A menina que distribuía sorriso no sinal da esquina, neste final de dia, volta para a favela sobrando-lhe tristeza e chicletes não vendidos. A dor se reflete em sua retina. Na bolsa quase vazia, esperança em porção pouca. Alegria e miséria não se unem, exatamente porque interesses opostos se digladiam, água e óleo desunidos que são: o rico é rico, o pobre é pobre. E a força do pobre é menor que a prepotência do rico. Luta inglória, rochedo e marisco. A chuva que vem prenunciada pelo assobio do vento confirma a negritude dos tempos que estão por vir. Se acinzenta o horizonte. Tudo como dantes. Nada mudou. O sinal ficou verde e todos partiram. Buzinas e faróis, algaravia total. Nem a menina do sinal ficou. Ela também partiu, magra e frágil quanto sempre foi, desde quando, recém-nascida, se abraçava ao peito da mãe, tão frágil e magra quanto ela, pedindo esmola naquele mesmo sinal, incitando misericórdia nos motoristas que as via e lhes dava uma moeda para depois seguirem se enganando com o equivocado sentimento da consciência tranquila e do dever social cumprido. Amanhã cedo, após a chuva, aquela menina voltará àquela esquina, com seus chicletes, um sorriso banguela de desesperança plena e um olhar cor de tristeza profunda. Nada mudou. Tudo como dantes no sinal de Abrantes.
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