Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Coluna do DIB sexta, 23 de agosto de 2019

A MALDIÇÃO DA COR

 

A MALDIÇÃO DA COR

A. C. Dib

 

                   A miserável vida de Carolina Maria de Jesus, moradora de rua e, nas horas vagas, escritora, nada deixa a dever à dos mais famélicos e maltratados personagens de Victor Hugo. De fato, a autora de Quarto de Despejo, obra celebrada ─ internacionalmente ─ como marco da chamada “literatura documentária de contestação” (característica dos anos sessenta/setenta do último Século), teve a pobreza por companheira de vida e da morte. Diário de Bitita, seu outro romance, é o retrado dessa existência paupérrima, permanentemente fustigada pelo feroz racismo dos primeiros anos da República, pela injustiça, pela fome, pela humilhação e pela aguerrida luta por sobrevivência, em um mundo marcado pela desigualdade e total falta de esperança e de oportunidades. Retrato este, tingido em cores lúgubres da brutal realidade, que a saudosa autora conheceu na própria carne.

                   Os primeiros anos de vida, equivalentes aos primeiros capítulos do diário, apresentam as doces ilusões e sonhos, característicos da infância. Não obstante, a infante Bitita já sinaliza possuir espírito crítico e contestador, viva curiosidade, imaginação criadora e inventividade, em meio a um mundo de adultos desiludidos, acomodados, acovardados e esmorecidos. Libertos os negros, a República ─ recém-parida ─ não lhes conferiu meios de sobrevivência dignos. Morando em taperas de pau-a-pique, desempregados ou subempregados e sub-remunerados, padecendo pela fome, pelas doenças e pela ignorância funesta, alguns se entregam ao álcool, outros, vencidos, desistem da luta e da vida e meninas buscam remédio na prostituição, ou ─ as mais afortunadas ─ no casamento com um homem bom e laborioso. Poucas ─ e precárias ─ são as opções. Para agravar ─ “nada é tão ruim que não possa piorar” ─, além das hercúleas adversidades econômicas e de trabalho, essas pessoas ainda enfrentam a permanente desconfiança e aterradora perseguição policial, ou, perseguição renhida por parte de uma polícia analfabeta, rota e pouco apegada à letra da lei, que via na gente pobre e negra potenciais criminosos.

                   A vida da adolescente e jovem adulta não se mostra mais amena ou fácil. Descortinam-se, à sua frente, patrões desleais, trabalhos mal e parcamente remunerados e a mais absoluta ausência de direitos que contemplem o labor. Ainda assim, a jovem Bitita mantém vivo seu espírito livre e criativo, suas expectativas e sonhos e a boa disposição de resistir às intempéries da natureza social. Não se revolta, mas, ao contrário, preserva o coração largo, generoso e agradecido a todos os que lhe estendem a mão ‒ por mais tacanho que seja o gesto.

                   O relato termina inconcluso, com a ida de Bitita para São Paulo, em busca de melhores dias. Fica em aberto seu “final”: que o leitor o idealize. Permanece, enfim, um retrato cru da triste realidade dos negros, num Brasil subdesenvolvido e arcaico. Antes, formalmente cativos, e, depois, então, acorrentados à vala opressora da total miséria.

                   A narrativa se faz em linguagem simples, coloquial e direta. Seguramente, Bitita tem muito de sua criadora, Carolina Maria de Jesus. A experiência pessoal da autora teria pesado e projetado a construção da personagem. E isso se a própria vida da heroica autora ─ que, em meio a adversidades extremas, ainda encontrava tempo e condições psíquicas de produzir obras literárias, sensíveis e inspiradas ─ não se fizer tingir por cores mais tristes que a de sua Bitita.

                   Se a vida não lhe sorriu ─ refiro-me à autora ─, se lhe subtraiu meios dignos de subsistir, não lhe alquebrou a coragem e o talento de criar, a liberdade de pensar, a ousadia da expressão e o desejo de registrar o que viu e viveu. E a Literatura ─ com sua magia artística ─ lhe facultou gravar o nome na rocha ígnea dos autores pátrios. Isto ninguém lhe tira.


Escreva seu comentário

Busca


Leitores on-line

Carregando

Arquivos


Colunistas e assuntos


Parceiros