07 de setembro de 2020 | 05h00
Outstanding Innovation in Interactive Media. O repórter estava no Estúdio Árvore, em Pinheiros, quando o diretor Ricardo Laganaro e o produtor Ricardo Justus, de A Linha, receberam o e-mail comunicando que o curta havia vencido uma importante categoria do Emmy Internacional, o Primetime Emmy Award. Brasil na cabeça. Mas, então, por que a dupla se manteve tão low profile? Nenhuma comemoração. “Já comemoramos com champanhe, remotamente, há uma semana, quando soubemos que havíamos ganhado. Só não podíamos anunciar, porque o comunicado teria de vir do Emmy”, conta Justus.
Essa é uma categoria especial e o anúncio do vencedor não é feito na grande festa do Emmy, o Oscar da TV, marcada para o dia 20. É como no Oscar – algumas categorias técnicas e premiações especiais ocorrem numa festa paralela. Excepcional inovação em mídia interativa. O repórter que o diga. Estava assistindo ao curta quando chegou o aguardado e-mail. Trata-se de uma narrativa em realidade virtual (VR) totalmente pensada e desenvolvida para ser contada neste formato. A obra inova ao permitir que o usuário interaja com a experiência usando o próprio corpo em vez de controles e é uma porta de entrada para o grande público experimentar a tecnologia de VR.
Uma maquete de São Paulo nos anos 1940. Miniaturas – um jovem casal, Pedro e Rosa. Lá atrás, quando tudo começou, os nomes eram outros, John e Mary. Pedro entrega jornais e ama Rosa. Todo dia experimenta o desejo de se declarar, entregando-lhe uma rosa amarela. Como bonecos, cada um anda no seu trilho. A moral da história é que, às vezes, é preciso sair dos trilhos para ser feliz. A vitória da ousadia sobre a conformidade.
Cerca de 15 minutos. Justamente por ser interativo, o curta tem a duração aproximada. Depende de quem participa da narrativa imersiva, fazendo avançar os personagens face às dificuldades que a trama impõe a Pedro, a Rosa – e a quem está com os óculos. “A ideia era abordar um tema universal como o amor, mas agregando camadas como rotina e medo da mudança. Essa questão da mudança é fundamental, porque estamos trabalhando com algo novo. Nossa narrativa foi formatada para o Oculus Quest, que ainda nem está à venda no Brasil e permite o rastreamento de mãos”, diz Justus. O que significa isso, hand tracking? “É a ferramenta que amplia a imersão do usuário e seu senso de direção ao participar da trama.”
O mais bacana nessa história é que o Estúdio Árvore vem agregando uma moçada de artistas gráficos que, inicialmente, conhecia pouco ou nada dessas inovações, mas foi enfrentando o desafio e dominando as ferramentas. Veneza iniciou esta semana mais uma edição de sua tradicional mostra de arte cinematográfica – a mais antiga do mundo.
No ano passado, numa seção dedicada à VR, A Linha também já havia sido premiado como Melhor Experiência em Virtual Reality, concorrendo com obras de todo o mundo – e, teoricamente, vindas de países onde essa pesquisa poderia estar mais avançada. Cannes, sempre na vanguarda, já abrigou em 2017 uma experiência imersiva de Alejandro González-Iñárritu, Carne y Arena/Flesh and Sand. “O que esses grandes festivais têm feito é abrir espaço para a VR, mas sempre com o atrativo de um grande nome”, conta Laganaro. “Nossa história tem um narrador. Pensamos em conseguir um nome conhecido de Hollywood. Fizemos contato com o Christopher Plummer, mas a coisa não andou”, explica Justus – ele é o CEO do Árvore.
Foi quando a dupla Laganaro/Terra pensou num nome brasileiro com circulação internacional. Bingo! “Entramos em contato com o assessor de Rodrigo Santoro, que se entusiasmou; o próprio Rodrigo abraçou a ideia e eu fui encontrá-lo nos EUA, onde ele estava gravando”, lembra o diretor. Além de ser o ator talentoso que é, Santoro tem experiência como dublador e até forneceu a voz original para a série Rio, de Carlos Saldanha. Ele faz a gravação em inglês de A Linha – à qual o repórter assistiu (e interagiu). Simone Kliass faz a narrativa em português. Algum espectador já terá participado do experimento. Após a vitoriosa passagem por Veneza, em 2019, A Linha teve sua estreia nacional na Mostra de São Paulo do ano passado. O mais belo dessa história toda é que, por mais inovadora que seja a técnica, a trama é sob medida para mexer com as emoções do espectador.
Pedro, o herói da história, repete todo dia o mesmo percurso entregando jornais, mas, a cada ciclo, se permite uma pequena escapada para colher uma rosa amarela que deixa, anonimamente, na porta da casa de Rosa. Quando as rosas terminam, Pedro enfrenta o desafio de vencer seu medo e ter de buscar caminhos alternativos, com novas rosas.
Uma história regional, passada numa São Paulo ainda provinciana, há quase 80 anos – que Laganaro encontrou num álbum de família – torna-se universal. Para isso, o diretor fez questão de utilizar referências próprias da cultura brasileira. A música – um chorinho – embala a história. A trilha é assinada por Gilson Fukushima e Rubem Feffer. Você sabe quem é – Feffer compôs com Gustavo Kurlat a trilha da animação O Menino e o Mundo, de Alê Abreu, que foi indicada para o Oscar em 2016.
Laganaro iniciou-se na O2, trabalhando com animação de stop motion. Foi um aprendizado importante para ele, mas também havia uma limitação. A O2, como empresa produtora, tem outras prioridades e não investe pesado nessa linha que ele pretendia seguir. Foi quando Laganaro conheceu Terra. Ambos jovens, descobriram suas afinidades – e a vontade de trabalhar nessa área. O resto é história.
O estúdio não para de crescer – embora agora pareça um escritório fantasma. Todos aqueles computadores parados. Onde estão as pessoas? “Está todo mundo em casa, trabalhando remotamente. Só viemos para que você pudesse ver o Linha com os óculos”, explica Laganaro. Outstanding, rapazes. Só um problema – por conta da pandemia e das restrições à entrada de brasileiros nos EUA, o diretor e o produtor não poderão estar presencialmente na festa, que vai ocorrer com um rígido protocolo de segurança (e eles já gravaram o agradecimento).