Dona Seráfica, antiga professora de Inglês de um Colégio de freiras, em uma cidade do interior nordestino, era muito querida pelas alunas, inclusive as internas. Nessa época, o internato era visto como uma espécie de castigo, a que os pais ricos submetiam as filhas insubordinadas. Geralmente, a história de cada aluna interna estava relacinada a um namoro precoce, ou uma paixão, que os pais queriam interromper a qualquer preço.
Dona Seráfica lecionou nesse Colégio nos idos de 56/70. Pelo seu modo maternal de tratar as alunas, era sempre procurada por elas, quando queriam conversar sobre algum problema pessoal. Isso acontecia durante o recreio e no intervalo das aulas. Com o tempo, a professora tornou-se uma espécie de confidente e orientadora das alunas, especialmente as internas.
Como mãe de cinco filhos, e de natureza boníssima, a professora sabia compreender a alma das alunas e tinha prazer em conversar com elas.
Por outro lado, as religiosas eram austeras e tratavam as alunas com muito rigor. Não havia entre elas conexão de amizade. Eram respeitadas e temidas por todas, em virtude dos castigos que costumavam aplicar.
Rosa, uma das filhas de Dona Seráfica, era colega de classe de Zuíla, a aluna interna, vinda da capital. Certa vez, ao terminar a aula, Rosa já se dirigia à saída do Colégio, quando, correndo, Zuíla a alcançou e pediu-lhe para entregar a Dona Seráfica uma carta, em um envelope fechado. Em seguida, a interna voltou ao interior do Colégio. Imediatamente, Irmã Florinda, uma religiosa alta e carrancuda, temida pelas alunas por seu modo grosseiro de tratá-las, gritou o nome de Rosa no portão do Colégio, ordenando que lhe devolvesse a carta de Zuíla:
– Devolva essa carta, Rosa! Você não vai levar carta de Zuíla pra ninguém! Você vai ser suspensa!!!
Ao ouvir a voz da detestável freira, Rosa, no vigor de seus 13 anos, de um fôlego só, desembestou em uma carreira, da porta do Colégio até a casa de sua mãe, a professora Dona Seráfica. Os gritos escandalosos da Irmã Florinda foram uma verdadeira convocação para que quase todas as freiras saíssem em disparada, correndo atrás de Rosa, para tomar-lhe a carta à força.
Dona Seráfica, que estava deitada e febril, assustou-se com a chegada brusca de Rosa, que lhe entregou a carta de Zuíla e lhe avisou que as freiras vinham correndo em seu encalço para tomá-la. Cinco minutos depois, a maratona das freiras esbarrou no portão, num verdadeiro escarcéu. Cada qual que gritasse mais alto, pedindo a carta de volta.
Quando Dona Seráfica ouviu o barulho, apareceu ao portão com a carta na mão, ao lado da filha Rosa e lançou o desafio:
– A carta da minha aluna está aqui, e eu quero ver qual de vocês terá o atrevimento de tomá-la da minha mão! Amanhã vou levar ao conhecimento da Madre Superiora esse ato ignóbil! Vocês não são dignas de vestir esse hábito de freira!
E as franciscanas, lideradas pela Irmã Florinda e completamente murchas, voltaram ao Colégio.