Noaldo Dantas, paraibano, jornalista e poeta, publicou o texto: “O DIA EM QUE DEUS CRIOU ALAGOAS”, que se tornou o poema das Alagoas.
“Escrevi certa vez que Deus, além de brasileiro era alagoano. Em verdade não se cria um Estado com tantas belezas, sem cumplicidade. Sou capaz de imaginar o dia da criação de Alagoas: “Ô São Pedro pegue o estoque de azul mais puro e jogue dentro das manhãs encharcadas de sol, faça do mar um espelho do céu, polvilhando de jangadas brancas; quero os entardeceres sangrentos no horizonte, e aquelas lagoas e rios que estávamos guardando para uso particular, coloque-as nesse paraíso…”
Um desses paraísos que Deus guardou para uso particular é o Rio São Francisco, caminho que anda por entre inúmeras ilhas, coqueirais, manguezais, água corrente entre matizes azuis e verdes e vai bater no meio do mar. É lá que Deus entra em férias, segundo o cineasta Cacá Diegues.
Tempos atrás em uma das ilhas do rio, aconteceu uma história de amor que se imortalizou na imaginação popular, passando de boca a boca até nossos dias. Na cidade de Penedo, à beira do Velho Chico, havia um rapaz chamado Pedro, trabalhador, alto e forte. Era tirador de coco de profissão, enrolava uma peia no corpo, subia o coqueiro que nem uma lagartixa. Com o facão dava cortes fazendo cair os cachos cocos que o cambiteiro recolhia ao depósito. Pedro era o melhor tirador de coco da região, alegre, gostava de uma sanfona e de uma festa. Certa vez foi tirar cocos na ilha do Coronel Antônio Bento. Juliana, filha do Coronel, estava na ilha ficou observando, admirada da destreza de Pedro subindo nos coqueiros.
Em certo momento ele pediu um copo d’água, Juliana trouxe água gelada, conversaram, olharam nos olhos, apaixonaram-se naquele momento. Havia um problema: o pai proibiu o namoro de sua filha com um tirador de coco. Pedro prometeu à amada mudar de vida, ganhar dinheiro para poder sustentar uma família. Danou-se a trabalhar, tirando e comercializando coco em toda região do baixo São Francisco. Depois de um ano, melhorou de vida, foi falar com o pai da moça para consentir o namoro. Coronel Antônio Bento recusou, e foi taxativo: sua única filha só se casaria com doutor de anel no dedo. Não havia gastado tanto dinheiro com a educação da menina para casar com um reles tirador de coco. A mãe, Dona Maroca, mulher sensível e inteligente, tinha simpatia pelo o amor de Juliana e seu primeiro amor, Pedro dos Cocos.
Em Penedo, Juliana arranjou uma maneira de encontrar-se com Pedro, com o discreto apoio de Dona Maroca. Certa noite ao chegar de viagem, o Coronel Antônio Bento flagrou sua filha abraçada com Pedro. “- Não admito”, gritou e mandou Juliana recolher-se. Dentro de casa fez a maior zoada, prometeu colocar a filha interna no Colégio Santíssimo Sacramento de Maceió. E como castigo, mãe e filha, acompanhadas da criadagem, iriam passar o restante do verão na casa da Ilha. Não queria ver na redondeza o pilantra sem eira nem beira que desmoralizou a família, tomando liberdade escandalosa com sua filha.
No dia seguinte, duas canoas partiram do porto de Penedo até a Ilha. As mulheres ficaram na casa grande com a proteção dos empregados, o coronel não tinha hora nem dia para chegar. Triste com os acontecimentos e pensando no seu amor, Juliana toda manhã vestia o maiô azul, ia à praia estreita da ilha entre o coqueiral e tomava banho de rio. Depois de uma semana, numa bela manhã de sol, ao mergulhar, Juliana ouviu um assovio, arrepiou-se, sentiu a presença de seu amado. Procurou pelos lados, só teve certeza que era Pedro quando avistou seu vulto entre os arbustos aquáticos. Abraçaram-se. Entre beijos prometeram juras de amor.
Com receio do pai, arquitetaram um plano: Pedro passaria toda manhã pela ilha, só atracaria sua canoa quando Juliana amarrasse uma fitinha vermelha na palha do coqueiro envergado para o rio, era sinal que o coronel não estava na ilha. Assim os namorados passaram o resto das férias. O coração de Pedro batia de emoção quando via a fitinha na palha. Encostava a canoa nos arbustos, Juliana vinha encontrá-lo, eles namoravam sozinhos nas águas transparentes e correntes do Rio São Francisco. Certo dia as águas transparentes tornaram-se turvas, vermelhas, sangue e sêmen se diluíram na correnteza do Velho Chico.
As férias acabaram, houve choro, Juliana viajou para o colégio em Maceió, interna, pensando um dia fugir com Pedro. No mês de abril ela adoeceu, vomitando, o médico experiente, diagnosticou: é menino. Não se pôde esconder a gravidez, quando o pai soube da verdade, cobriu-se de ódio queria matar Pedro. Depois da ira, do desabafo e a conversa apaziguadora de Dona Maroca, o Coronel baixou a brabeza. Mandou chamar o tirador de coco para uma conversa. Pedro enfrentou com dignidade e coragem a situação. E não é que o sogro começou a simpatizar com o genro! Fizesse logo o casamento para barriga não aparecer. Foram três dias de festa na Ilha, Coronel Antônio Bento trouxe até músico do Rio de Janeiro para tocar. O mais animado era Pedro tocando sanfona e dançando com a esposa no maior amor do mundo.
Juliana e Pedro tiveram 12 filhos, ao primeiro deram o nome de Antônio Bento Neto. O povo da região conta para seus filhos e netos a história de amor da Ilha da Fitinha. Dizem até que o compositor, João do Vale, inspirou-se no casamento para fazer a música:
Coroné Antônio Bento… No dia do casamento… Da sua filha Juliana… Ele não quis sanfoneiro… Foi pro Rio de Janeiro… Convidou Benê Nunes… Pra tocar, olê, lê, olá, lá.